Amamentação Sem Mitos

Amamentação é coisa de pobre? Veja os benefícios para todos!

Quero começar esse texto pedindo desculpas pelo seu título! Minha intenção é ser bastante chamativa e gerar um certo desconforto por um motivo bem direto: a ideia de que amamentar só é justificável para aquelas famílias que não têm condições financeiras é muito comum! Talvez mais comum do que você possa imaginar!

No ano passado, fiz um levantamento entre cerca de 700 mães na internet sobre como elas foram incentivadas (ou desestimuladas) a amamentar e uma das informações que me chamou a atenção era que alguns profissionais que atenderam a essas mulheres argumentavam que a OMS incentivava o aleitamento materno partindo do princípio de que há famílias social e economicamente desfavorecidas, ou seja, amamentar seria para quem não tem dinheiro. Que fique claro aqui que isso é uma mentira! Mas é muito importante desmistificar essa informação com argumentos.

Com o processo de industrialização ocorrido intensamente no século passado, muitas mudanças ocorreram. Uma delas foi a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho. Isso refletiu diretamente nas prevalências mundiais da amamentação. Hoje, quanto mais “desenvolvida” uma nação, menor tende a ser a prevalência da amamentação. Veja o mapa abaixo, que ilustra a prevalência da amamentação ao final do primeiro ano de vida nos diversos países.

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Porém, enquanto mulheres e mães, o Maternidade Sem Neura não encerra seu discurso dando a entender que seria culpa feminina as baixas prevalências da amamentação. Pelo contrário! Temos uma rede de causalidade bastante complexa que mostra que o sucesso da amamentação está diretamente associado com o apoio que cada mulher que deseja amamentar recebe da sociedade (isso começa a ser comprovado quando verificamos uma nova tendência de mudanças positivas em países de níveis socioeconômicos mais elevados após medidas públicas para que a mulher possa ficar mais tempo com o seu filho). Então, um modelo ideal digno à mulher e ao bebê seria, além de uma licença ampliada, a possibilidade de ordenha no seu local de trabalho, creches apoiadoras da amamentação, famílias que compartilhem verdadeiramente as demais tarefas relativas à casa, entre diversas outras iniciativas.

Mas voltando à discussão da pobreza, aliado ao processo de industrialização, até os anos 80, a maioria da literatura relacionada aos benefícios da amamentação estava vinculada à diminuição da mortalidade infantil, na maioria das vezes por causa da prevenção de episódios de diarreia e doenças respiratórias, que são muito mais prevalentes em localidades vulneráveis, onde o saneamento básico é precário.

A partir dessas informações, a indústria de alimentos identificou uma super oportunidade: mulheres com cada vez mais dificuldades para amamentar e a renda das famílias aumentando. Em uma época na qual o controle da publicidade era quase nulo, vendeu-se a mensagem de que se poderia oferecer substituto do leite materno com valor nutricional equivalente, garantindo saúde adequada aos bebês e maior praticidade às famílias (leia-se: às mulheres). Isso persiste até hoje na fala de muitos profissionais, em mensagens subliminares da indústria de alimentos e, consequentemente, em muitas famílias. Ainda mais grave, essa falsa mensagem atinge os estratos menos favorecidos, dado que são igualmente expostos à publicidade, mas muito mais vulneráveis a ela. Quem nunca se deparou com uma família que, mesmo com pouquíssimos recursos, não se esforçou para conseguir comprar uma lata de leite para seu bebê? E aí, além de desfavorecer a amamentação, expomos aquela criança a um aporte nutricional que pode ser inadequado (será que a fórmula será diluída na proporção sugerida?) além do risco de contaminação aumentado por meio da água não tratada. Quem assistiu Tigers, deve se lembrar do efeito criminoso da indústria das fórmulas.

Porém, hoje a nossa literatura científica avançou e evidencia benefícios relacionados à amamentação independente do estrato social. A edição especial da conceituada revista Lancet aborda muito bem esse assunto. Temos hoje evidências da amamentação como fator de proteção contra a morte súbita, enterocolite necrotizante, otite, maloclusões, leucemia, excesso de peso e diabetes. Além disso, existe evidência vasta do impacto da amamentação no desenvolvimento cognitivo, inclusive, à longo prazo. Também destacamos efeitos na saúde feminina, como prevenção do câncer. Ricas ou pobres, todas as famílias estão expostas a essas questões.

Então, que fique claro que, se pensarmos pela lógica da vantagem/benefício, amamentar é lucrativo para pobres ou ricos. Mas, para além da discussão dos benefícios, proponho também a reflexão que ouvi em uma entrevista com o pediatra Carlos González. Amamentar é um processo natural para a vida das pessoas. Porém, perdemos muito dessa naturalidade relacionada ao tema a ponto de termos que criar medidas para incentivar novamente as pessoas a fazerem algo que deveria ser o mais comum e o esperado. Hoje, invertemos a lógica: a mãe que amamenta passa a ser a exceção à regra e, por isso, é protegida da sociedade por meio de leis que garantam que possa amamentar em espaços públicos, por exemplo, ou mandar o seu leite para a creche do seu bebê. Defendo aqui que consigamos naturalizar novamente o ato de amamentar!

 

 

 

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