A Mulher, a Maternidade e a Criança

Enquanto há vida, há esperança (parte I): relato de uma mãe de prematuros extremos

Hoje, vamos inaugurar a publicação de um post escrito por uma convidada! E trata-se de uma convidada mais do que especial: Vanessa Magalhães. Além de nossa colega de profissão, a Vanessa me emocionou e me encantou com sua história de maternidade. Grávida de gêmeos, teve um parto prematuro, com muitas angústias, mas muita luta também. Então, compartilho aqui com vocês o texto que a Vanessa escreveu com muito carinho! E, desde já, agradeço a ela pelo depoimento! Vamos ler? Aí vai!
Por: Vanessa Magalhães
Nunca vou me esquecer daquela segunda-feira 13. Estava com 25 semanas de uma gestação gemelar tranquila, feliz e extremamente desejada de um casalzinho, depois de tanto tempo tentando. Estava de repouso e saí para buscar um vestido feito sob medida pra abrigar minha barriguinha. Seria madrinha de casamento na semana seguinte. Ao voltar, me deparo com um sangramento. “Meu Deus, estou perdendo meus bebês”! Pânico, desespero, choro. Respirei e lembrei da conversa que tive havia poucos dias com uma amiga que passou pelo mesmo e foi só um susto.
Fui direto para o hospital repetindo internamente o mantra “não há de ser nada, não há de ser nada”. Dani, meu marido, já me aguardava angustiado na entrada. Um médico simpático e brincalhão me examinou. “Está tudo bem! Vamos só fazer um ultrassom pra descartar algum descolamento”. A médica do ultrassom me assustou com sua seriedade e com aquele nome que não parecia coisa boa. “Liga pra sua médica e diz que é diástole reversa…”. Liguei. Ela sempre tão pra cima e otimista ficou em silêncio. “É… Aconteceu aquilo que a gente não queria que acontecesse. É uma situação muito difícil e delicada, vamos ter que fazer uma escolha. Estou indo para aí!”. Medo, desespero, angústia, choro. O médico simpático e brincalhão voltou. “Tá vendo, não era nada…”. Não, espera! Mas e a tal da diástole reversa? Silêncio. O sorriso some do seu rosto. “Poxa, desculpa, não vi a parte do feto dois. Sinto muito. É uma situação muito triste. Vocês vão ter que fazer uma escolha. Chora, pode chorar”. Ele passou a mão nas minhas costas me consolando e saiu, enquanto fiquei em prantos com Dani. “Meu Deus, que escolha é essa? O que está acontecendo? Se eu posso chorar é porque deve ser sério mesmo”. Mais choro, mais desespero.
Fui internada e minha médica chegou pouco depois. “Infelizmente ela – a menina – está em condições incompatíveis com a evolução da gestação. Podemos fazer o parto agora para tentar salvá-la, mas estaremos arriscando a vida dos dois. Ou podemos seguir em frente para garantir que o menino sobreviva”. E nesse último caso o que acontece com ela??? “Bom, ela não deverá resistir, mas ficará aí até ele nascer…”. Angústia total. Não podia perder minha menininha! Mas como fazer uma escolha entre meus filhos? “Vou tentar uma última cartada. Vamos acreditar”. E foi o começo de uma longa luta diária. Tomava vários medicamentos e fazia de um a dois ultrassons por dia. Chorava o tempo todo e me culpava por não conseguir transmitir boas energias pra eles. Sentia muito medo. Não queria ver nem falar com ninguém além do Dani e família.
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Vanessa durante a internação

Por alguns dias, minha menina resistiu, mas os parâmetros pioraram e minha médica teve novamente a conversa com a gente. Ela explicou todas possíveis sequelas que ambos poderiam ter, caso sobrevivessem ao parto naquele momento. “Infelizmente é muito arriscado fazer o parto agora, as chances dela são mínimas, mas ele está bem!”. Eu só repetia que como mãe não podia abandonar minha filha, e com lágrimas nos olhos ela seguiu. “Mas você é mãe dele também, tem que pensar nele… Vanessa, isso é muito pesado! Por favor, deixa eu tomar essa decisão por vocês”.
Entreguei nas mãos de Deus e segui o que minha médica sugeriu – seguir com a gestação. A sensação de imaginar que a qualquer momento minha filhinha iria embora me destruía. Na noite seguinte ela se mexeu demais, e eu tinha certeza que ela estava em sofrimento fetal. Chorei demais e me despedi dela naquele momento. Minha irmã, iluminada, me acompanhava naquela noite. “Vanessa, ela está te mostrando que está aqui, que está lutando. Se mexer assim é o maior sinal que ela pode te dar! Enquanto o coração dela bater e ela se mexer, nós vamos acreditar!”.
E a partir daquele momento eu simplesmente acreditei! Mesmo com a maioria dos médicos achando que estava me iludindo. Mesmo contra o que dizia a literatura. E minha menina foi resistindo, dia após dia. Até que chegou no seu limite com 29 semanas. “Daqui pra frente será muito perigoso, já está ficando sem líquido”. O que fazer? Dessa vez não tive dúvida, precisava dar uma chance pra minha guerreirinha. Não foi à toa que tive aquele sangramento. Não foi à toa que não fizemos o parto naquele dia. E não foi à toa que ela surpreendeu a todos e chegou até ali. Fizemos o parto na manhã seguinte. Dani e eu decidimos só ali que se chamariam Nina e Martin. Não foi o parto normal humanizado para que tanto me preparei, me empoderei e sonhei (queria tentar induzir, mas o risco de hemorragia cerebral era muito grande, principalmente pela importante restrição de crescimento deles; também cogitei fazer o parto de Nina e seguir com Martin, mas minha médica foi contra correr o alto risco de infecção).
Não pude segurá-los e não amamentei assim que nasceram. Mas foi uma cesária humanizada, com direito a presença do Dani e da Re, minha doula, e respeito às minhas vontades. Nina chegou primeiro e não pude vê-la – foi direto ser entubada. Ao perguntar como ela era, ouvi da Re um “bem pequenininha”. Pesou 515g e teve Apgar 8/9. Só pude vê-la depois de um tempo, já na incubadora. Martin chegou dois minutos depois. Estava em condições melhores e me deixaram vê-lo, senti-lo, tocá-lo e beijá-lo – foi o melhor beijo do mundo, numa pele de camurça! Pesou 905g, Apgar 9/10 e, num primeiro momento, respirou sozinho, mas pouco depois teve que ser entubado. Apesar de tudo, eu estava muito feliz com o nascimento dos meus filhos. Chorava de alegria na sala de recuperação. Finalmente aquela tortura diária tinha acabado!! E nesse momento eu nem podia imaginar o que me aguardava na rotina de mãe de UTI…
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Martin no momento do seu nascimento

 Na quarta-feira, publicaremos a 2a parte dessa história! Acompanhem!

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