Alimentação e Nutrição Infantil BLW e Alimentação Complementar

Seu filho não come? Saiba o que Carlos González trouxe na sua vinda ao Brasil

O pediatra espanhol Carlos González esteve aqui no Brasil na semana passada participando de reuniões, encontros e entrevistas no lançamento da versão nacional de sua obra “Meu Filho Não Come!”. O Maternidade Sem Neura o acompanhou durante o encontro com profissionais de saúde, ocorrido no dia 18 de novembro, e no ENAM, no dia 23. Ouvi-lo foi gratificante e, ao mesmo tempo, ajuda-nos a desconstruir diversas ideias pré-concebidas. Ao mesmo tempo em que ele ataca o modo mais tradicional (ou antiquado) de alimentar crianças (a todo custo em prol do ganho de peso), ele também cutuca as práticas consideradas o “extremo do saudável”, como restringir totalmente sal, açúcar e outros itens considerados classificados como “proibidos”.

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No dia 18, Carlos trouxe várias cenas de bebês comendo sob o BLW, valorizando a autonomia das crianças bem como a capacidade delas de fazerem suas escolhas alimentares. E foi categórico ao dizer que nunca se deve obrigar uma criança a comer. Mas… E se a criança não come? O que fazer? De forma bem divertida, ele defende que raramente uma criança não come absolutamente NADA. Algumas comem mais, outras menos… Mas comem! E, normalmente, não comem o esperado pelos pais e pelos profissionais da saúde. Aí está o grande perigo, pois se inicia uma divergência entre algo preconizado, mas sem embasamento, pelos profissionais (relacionado à quantidade de alimentos consumida e ao ganho de peso) e a realidade do bebê, que está aprendendo a se relacionar com o alimento. Nesse meio, ficam os pais, tensos e inseguros sobre como agir.

Em suas falas, há sempre a defesa da importância dos hábitos alimentares da família para a alimentação adequada da criança. Ele traz o questionamento: “De que adianta restringir sal no primeiro ano de vida se, depois, enquanto adulto, ele comerá o dobro das suas necessidades?”. Ou então: “Faz diferença a restrição extrema por alguns meses (no início da vida) diante de uma vida inteira em que a pessoa come de forma totalmente desbalanceada?”. Entendo aqui que o pediatra não está defendendo que bebês comam sal, açúcar e alimentos ultraprocessados, mas que, mais importante do que se esmerar nos primeiros anos de vida e, depois, perder o controle, vale a pena ter um ambiente que estimule uma alimentação adequada aos filhos. Aí, envolve sempre a alimentação do entorno: pais e demais familiares, escola, amigos… algo extremamente complexo, mas que realmente está ligado a uma transformação concreta. Ele dá o exemplo de que experimentou refrigerante com alguns poucos anos de vida e, depois, tomou pela segunda vez dali tantos outros anos, porque não era hábito da família ter refrigerantes em casa. Isso seria muito mais importante do que ter sido proibido de beber Coca-Cola enquanto pequeno e, então, tornar-se um adulto e reproduzir os hábitos da sua família.

Além disso, alimentação complementar e alimentação de crianças está também intimamente ligada à cultura alimentar da família. As regras não são estáticas e universais. O que pode ser adequado para um bebê, pode não ser para outro. Imagine se uma família do nordeste consome pão no café da manhã! Ou se um bebê oriental terá tanta restrição a peixes crus como os ocidentais. O contexto e o conjunto precisam ser considerados para não se ter orientações generalizadas (e impraticáveis).

Carlos González, como sempre, traz a sua defesa à amamentação. O leite materno consegue ser mais completo do que qualquer outro alimento. Assim, um bebê, na verdade, é sábio ao preferir o peito. Isso não significa que não precisamos estimulá-lo a comer, mas precisamos entender suas escolhas e o seu tempo. Ele precisa de uma combinação de diversos alimentos para obter energia e nutrientes semelhantes aos que consegue somente pelo leite. Então, amamentação precisa ser valorizada!

Mais do que isso, a livre demanda é defendida. Aí, Carlos González entra em outro tema: o sono infantil. Ao contrário do que muito ouvimos, a maioria dos bebês não dorme a noite toda no primeiro ano de vida (segundo um estudo, 16% aos 9 meses de vida). Precisamos tratar com mais naturalidade a necessidade do bebê de solicitar a mãe e o peito por diversas vezes, tanto de dia como de noite. Nesse sentido, o fato de mamar não está somente ligado à necessidade de saciar a fome. Carlos fala que um filho ama tanto sua mãe, que não chora somente quando tem fome ou frio, mas porque precisa tê-la por perto. Em outro momento, ele brinca que a criança acordaria repetidas vezes só para confirmar se sua mãe está bem, tamanha a ligação entre eles. Entre frases quase poéticas, fica claro que a relação entre mãe e filho é o primeiro alicerce para o desenvolvimento infantil e que fornecer amor a um filho (por meio do peito, do colo, do carinho, do contato…) satisfaz uma necessidade básica dele.

O médico também falou da cama compartilhada, mostrando que, em diversas culturas, dormir com os filhos é tratado com naturalidade, enquanto que, no ocidente, é um tabu, mas que, mesmo assim, as famílias tendem a fazê-lo de forma pouco falada (principalmente para os pediatras). Carlos defende a cama compartilhada praticada de forma segura como uma estratégia de atender às demandas do filho e contribuir para melhor qualidade de vida dos pais, principalmente da mulher, por não precisar levantar inúmeras vezes para amamentar. Isso pode ser mais seguro do que uma mulher cansada cair no sono com seu filho no colo.

Por fim, ele trouxe uma abordagem sobre o ganho de peso na infância, mostrando que muitos profissionais tendem a enxergar problemas onde não existem. Ele mostrou diversos relatos de pais desesperados após consultas médicas que alertavam quanto ao baixo ganho de peso, enquanto que, colocados nas curvas, os bebês estavam com ótimo ganho de peso e comprimento. Aqui no Maternidade Sem Neura, já trabalhamos um texto que aborda a interpretação das curvas de crescimento e ele confirma que, dependendo de outros fatores, estar no percentil 3 (a temida linha vermelha), pode ser totalmente adequado, dado que as curvas são baseadas em crianças saudáveis. Isso somente indicaria que o bebê está entre os 3% saudáveis mais magros (ou menores). Além da utilização das curvas, ele defende a avaliação relacionada ao aumento do ganho de peso por período da criança, algo que é raramente utilizado pelos profissionais. Essa avaliação mostra, por exemplo, que em alguns períodos, pode ser esperado uma estagnação do peso ou mesmo uma diminuição dele. Isso não significa que não se deve realizar a avaliação antropométrica de bebês, mas que ela precisa ser bem interpretada, considerando não somente o momento atual, mas a evolução da criança e, principalmente, o contexto geral dela e o seu desenvolvimento. E, reforçando mais uma vez, independente de um ganho de peso realmente inadequado, deficiências nutricionais ou inapetências comprovadas, NUNCA FORCE UMA CRIANÇA A COMER. Procure apoio de um profissional que realmente esteja conectado com a promoção da saúde do seu filho.

 

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