Amamentação Sem Mitos

Entrevista sobre amamentação com o pediatra Cacá 

Mais uma entrevista foi concedida ao Maternidade Sem Neura. Desta vez, quem conversou comigo foi o Cacá, neonatologista e pediatra defensor da amamentação e da humanização na saúde. Cacá falou das dificuldades da mulher urbana com a amamentação e o quanto que amamentar dialoga com sustentabilidade. Leia a entrevista e aproveite para conversar com o Cacá no II Encontro para a Promoção, Proteção e Apoio à Amamentação, no dia 2 às 9h.


Os benefícios da amamentação são amplamente divulgados e os clássicos se relacionam com diminuição da morbidade, mortalidade e prevenção de doenças. Como podemos pensar em sustentabilidade quando tratamos da amamentação?
C: Quando pensamos que o que podemos deixar de melhor para este planeta são filhos mais conectados com a natureza e cidadãos melhores a partir da vivência de uma família preocupada no bem-estar de todos, fica fácil associar estes dois assuntos. Filhos saudáveis e responsáveis pelo cuidado com seu planeta e sua comunidade é de longe o melhor bem que podemos construir. Fora, é claro, pensar no quanto custa ao planeta a produção de fórmulas, mamadeiras, gastos com água, gás, energia e tudo o mais. Se o melhor para meus filhos no começo da vida é aleitamento, e por si só menos agressivo a natureza, já é em si sustentável.
O Brasil vem se destacando internacionalmente com relação a diversos indicadores de amamentação, porém eles estão distantes das recomendações atuais de 6 meses de aleitamento materno exclusivo e continuado por, pelo menos, dois anos. Quais os maiores desafios para mudar esse cenário até 2030?
C: Amamentar continua sendo difícil. Tem muitos fatores que contribuem para não dar certo. O ambiente social das populações urbanas ainda não aceitam como uma condição necessária e natural para a nossa sobrevivência. A promoção selvagem de fórmulas lácteas para bebês  por industrias inescrupulosas ainda é uma realidade. A licença-maternidade de 120 dias não alcança a necessidade real destas mulheres. Ainda temos um longo caminho pela frente mas não podemos perder de vista que andamos muito.

Os profissionais da saúde, em especial os pediatras, apresentam grande influência no início e no desenrolar da amamentação. Infelizmente, nem sempre as mulheres relatam boas experiências com esses profissionais no apoio à amamentação. Como o profissional pode, de fato, ajudar essa mulher?

A base de uma boa consulta pediátrica nesta fase é uma escuta das dificuldades e dores vividas neste momento e informação de qualidade. Informação que ajude a esta mãe tomar boas decisões a respeito de seu filho e do melhor caminho a seguir. Isto envolve tempo real e tempo afetivo. Pelo que vejo nas consultas faltam os dois. O que mais vejo acontecer é a consulta da balança. Pesou? Está ok! Ou pesou e precisa de complemento com fórmula láctea. Poucos profissionais realmente têm noção de manejo clinico nas dificuldades de amamentar, não conseguindo ajudar as mulheres nas suas dificuldades.

Criar filhos parece cercar-se por dezenas de regras, muitas, inclusive, com respaldo científico. No outro lado, também é comum a frase “cada mãe sabe o que é melhor para o seu filho”. E aí? Seguimos as regras ou os nossos instintos?
C: Acho que seguir instinto e conhecer as informações disponíveis é o meio do caminho. Não dá para imaginar uma cultura do cuidar de bebês numa população urbana que não esteja contaminada pelos interesses de lucro das empresas. Por outro lado, abrir mão do seu instinto empobrece a experiência materna. Acho o mais difícil encontrar esta informação de qualidade. A OMS preconiza este aleitamento de 2 anos ou mais e, ainda assim, pediatras de linhas naturais insistem em dizer que isso é coisa para pobres. O desafio infelizmente é grande para esta mulher. Confiar nas informações como de qualidade vai depender algumas vezes de seus instintos.
Leite fraco, leite insuficiente, mulheres que não produzem leite… Segundo a literatura, essas situações não existem (ou são raras) e são tratadas como mitos. Mas basta conversarmos com algumas mães que esses mitos criam corpo. O que acontece para cada vez mais as mulheres referirem problemas com a produção de leite?
C: Como disse, amamentar não é fácil. Depende de confiança no seu corpo. Na sua capacidade de nutrir. Desde algum tempo, as mulheres urbanas são desacreditadas da capacidade de parir seus filhos e de nutri-los. Elas são convencidas que perderam a conexão com seus corpos e que o artificial é melhor. A maior parte das mulheres sabe que parto normal é melhor e que amamentar é melhor. Mas não estão convencidas de que seu corpo, de que elas conseguem. Um pré-natal que realmente prepare para o parto e um acompanhamento pediátrico que valorize sua capacidade de nutrir são fundamentais, na minha opinião.

6 Comments

  • Eu passei por dificuldades em amamentar e fui procurar o Cacá. Acredito que sem o apoio, informações e a tranquilidade que ele me passou, teria sido muito difícil ter continuado. De fato é muito importante ter o apoio de um pediatra que acredite na capacidade de nutrir.

  • Simplesmente fantásticas palavras! Gratidão! QUe muitas maes e bebês sejam apoiados nessa semana e sempre. E estejam livres e capazes de amamentar!

  • Simplesmente sensacional… As mulheres precisam acreditar no seu poder maternal, conheço mulheres com muitos medos que parecem absurdos pra mim, mas que são causa de muito sofrimento pra elas. A diferença: eu fiz pre natal em um hospital que me oferecia um cursinho extraordinário com uma enfermeira padrão (Rosana) que simplesmente mudou meu reflexo de gatinha pra leoa que eu realmente era… Infelizmente não consigo passar esses conhecimentos e nem muito minha experiência. A maioria das minhas amigas e conhecidas fizeram cesáreas por conta desses medos “absurdos” que possuem…

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