Ontem, aconteceram duas situações que eu nunca havia parado para pensar. A primeira surgiu com uma amiga que contou que, como iria a um café com alguns amigos e levaria sua filha, teve o cuidado de preparar alguns bolinhos de fruta (sem açúcar) para ela, de 1 ano e 9 meses. Essa amiga nunca ofereceu açúcar para a bebê. Chegando lá, a menina estava comendo o bolinho e prestando atenção na TV (algo que não faz em casa, porque seus pais também não são de assistir TV). Um casal na mesa ao lado comenta, com visível censura, o fato de uma bebê estar comendo doce e vendo TV. Fim da história 1.
História 2: também ontem, durante o piquenique na praça Adolpho Bloch, como comentei, foi aniversário do marido e levei um bolo para comemorarmos. Eu ando menos cuidadosa do que essa amiga em relação ao açúcar para a Manu, que também tem 1 ano e 9 meses, mas isso significa comer um pedaço pequenininho nessas situações especiais. E nem era um típico bolo de festa. Era um bolo simples com geleia de goiaba e coco ralado. Como existiam famílias por perto, o marido se vira para trás e oferece um pedaço a uma mãe. A resposta foi objetiva: “não dou nada com açúcar para meu filho”.
Os sentimentos derivados desses dois fatos foram diferentes. Minha amiga sentiu-se injustiçada, com um nó na garganta pela vontade de responder. Poxa… ela se deu ao trabalho de fazer um bolo para a filha, a menina nunca vê TV e um estranho vem falando besteira??? Comigo, quando meu marido me contou, achei engraçado. Engraçado porque vi um espelho na postura daquela mãe. Faço isso constantemente com a Manu. Não chego a ficar falando que ela não come doces (só quando insistem em dar algo que ela não está nem pedindo), mas me sinto uma leoa pronta para avançar quando alguém oferece algo a ela, principalmente por causa da APLV. Outro dia, me senti constrangida quando uma mãe da creche ofereceu algo num potinho para a Manu e, sem ver o que era, já fui sinalizando que não podia. Aí a mãe mostrou que eram uvas (e ainda disse que tinha criado o hábito de levar esses lanchinhos para a filha dela por ver que sempre fazia o mesmo com a Manu). Levei um tapa na cara! Mas, voltando à situação do bolo, talvez se a resposta tivesse sido para mim, eu teria sentido vontade de mostrar que também não dou guloseimas para a minha filha e tenho fama de xiita por isso. Moça… eu não sou igual à maioria… Sou igual a você!
Diante desses dois casos, pensei em mim e como, sem perceber, ajo como essas pessoas agiram. É quase automático olhar com censura (e, às vezes, fazer um comentário baixinho) quando vejo uma criança sendo distraída por um tablet ou sendo persuadida a comer a verdura em troca de um presente. Eu vejo a cena, critico e vou embora, sem nunca mais ver essa criança e sua família. Como dizem, cada um sabe de si e, talvez, aquele tablet foi uma tentativa de uma mãe que não pára para comer direito há semanas justamente por cuidar da sua criança (sem usar o tablet). Talvez! Mas nunca vou saber e, se não vou poder fazer algo por essa mãe, melhor seria eu me conter no preconceito. Não é nada fácil, ainda mais porque sabemos que, em muitas das famílias, esse tablet não é nada ocasional. É uma rotina. Mas não cabe a mim julgar. A família ao lado está usando. Eu não estou. Ponto. Continuemos nossas vidas. Não preciso desmerecer o outro para me enaltecer.
Hoje, vejo claramente essas disputas maternas sobre quem é uma mãe melhor, traduzindo essa qualificação em atos relativos à maternidade. Uma rivalidade, provavelmente alimentada pela indústria de alimentos e mídia, que separa aquelas que amamentam daquelas que dão fórmula, as que tiveram filhos por parto humanizado das cesarianas eletivas, as que desistem do trabalho para ficar com os filhos em casa das que têm babá e trabalham até às 8, as que dão legumes orgânicos das que oferecem papinha Nestlé, as que usam sling das mães do carrinho… Não tem fim! Todas essas questões são escolhas impulsionadas por distintas influências ou situações. Muitas vezes, lamento por alguma escolha que poderia ter sido diferente e que pode interferir na saúde da criança. Mas o buraco é mais embaixo e, se eu não tenho condições para entender o contexto, em vez de rivalizar, porque não escutar e respeitar?
E, a partir disso, vi o comentário de uma outra mãe parabenizando a minha amiga por não ter dado uma voadora no casal fofoqueiro. Antes dessa reflexão, eu certamente também não teria me contido, como ela conseguiu fazer. Se ela é tão preocupada em proporcionar um modelo de educação à filha sem TV e com alimentos adequados, promover uma discussão desnecessária com estranhos para fazer justiça não seria o melhor exemplo para dar a essa criança. Os valores que queremos transmitir aos nossos filhos perpassam pelas nossas atitudes do dia a dia, pois eles se espelham nesses pais super-heróis. Isso vai proporcionar a eles um aprendizado sobre como tratar aos outros com amor, mesmo quando recebem violência, a respeitar as diferenças, mas também a defender suas escolhas, mesmo quando o mundo está falando que faz algo totalmente diferente. Esse é um exercício mais difícil do que dar a fruta de sobremesa em vez do doce!