Você consegue se imaginar vivendo em uma situação na qual, por ser mulher, não tem direito sob seus filhos, a um regime de trabalho digno e ao voto? O filme “As Sufragistas” escancara ao que nossas avós e bisavós foram submetidas e a luta que ocorreu há cerca de um século atrás para que as mulheres tivessem participação igualitária aos homens na democracia. Ele se passa na Inglaterra, no final do século XIX e início do XX, e conta a história de algumas mulheres que, contrariando a lógica da sociedade da época, decidiram lutar pelo direito ao voto. Eram chamadas de sufragistas e pagaram um preço alto por esse ideal: eram hostilizadas nas ruas, perderam seus filhos, suas casas e vidas.
Votar, hoje em dia, pode nem ser mais tão valorizado, mas é a concretização de uma conquista inimaginável para muitas das nossas antepassadas: se não poderíamos escolher nossos dirigentes, muito menos poderíamos ousar ocupar um cargo político, participar da construção das leis, da tomada de decisões e, inclusive, protestar.
Para isso acontecer, muitas de nós acabaram presas, sofreram violência e, inclusive, morreram. Mais do que agradecer a elas, é nossa responsabilidade darmos continuidade a essa conquista. Não me lembro exatamente das palavras de uma das personagens do filme, mas ela falava algo como “Lute dentro daquilo que seja possível para você”. Você pode sair às ruas dando a cara à tapa, mas pode fazer sua militância em pequenos gestos, dentro da sua casa ou na fila do banco. Em nome das mulheres que nos pariram e para aquelas que colocamos no mundo, temos ainda um longo caminho:
- Mulheres recebem salários 30% menores do que os dos homens;
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Das mulheres que sofrem violência doméstica, mais de 40% é violentada diariamente e mais da metade das denúncias é de violência física;
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Anualmente, há mais de 500.000 tentativas ou ocorrências de estupros.
Mas esse cenário não é a sua realidade? Perceba que desigualdade de gêneros é manifestada por atitudes sutis: em uma propaganda de cerveja que expõe uma mulher seminua (enquanto isso, você é incomodada por amamentar em público sem paninho), quando você usa com naturalidade o termo “jornada dupla” ou “jornada tripla” e se sente culpada por se dar uma esticadinha após o trabalho para papear com os amigos em vez de ficar com seu filho, quando você conta com orgulho que o marido te ajuda em casa e com as crianças (partindo da premissa de que essas tarefas são suas e ele está sendo muito bacana em te aliviar um pouco nas suas obrigações), quando você não aceita que seu filho durma na cama do casal (mesmo estando acabada por ter que levantar diversas vezes) sob a justificativa de que isso atrapalha o casamento, quando você ouve ou faz um comentário “tinha que ser mulher” ou minimiza uma situação com o argumento “porque ele é homem”, quando seu chefe não aceita que você precisa amamentar ou ter um espaço para ordenhar ou ficar em casa com seu filho (mesmo estando implícito para a sociedade que é a mãe quem cuida do filho doente), quando você é julgada ou julga outro mulher em função da sua vida sexual ou das roupas que veste ou das pessoas com quem anda… Enfim, foram exemplos que vieram à cabeça rapidamente, pois poderia passar o texto somente enumerando isso.
Não é questão de ser a feminista chata. Não é uma perseguição aos homens. É, de uma forma bem simples, uma defesa de igualdade entre os gêneros. É pedir demais? Algum favor? Se uma determinada situação perde o sentido quando estamos falando de homens, certamente estamos lidando com uma situação de desigualdade, preconceito e/ou violência (a não ser que estejamos falando de questões relacionadas a constituição biológica que nos diferencia).
As Sufragistas é uma lição de casa para todos nós, mulheres e homens. Tal como as personagens, não vamos ver todas as sonhadas realizações acontecerem, mas faremos a nossa parte ao deixarmos um mundo mais justo para nossos filhos. Ou por ensinarmos a eles que não existem diferenças entre homens e mulheres.