Por Viviane Laudelino Vieira
Como mãe de uma menina de dois anos e nutricionista, muitas vezes carrego uns biscoitos de arroz para o lanche da Manu. De tudo que há de industrializado, sua composição, que usa arroz integral e (pouco) sal parece uma alternativa interessante para complementar um lanche com fruta ou para ser usado com um dos patês sem leite que faço para ela.
Mas, hoje, ao acordar, me deparei com a mais nova bomba: um texto condenando o biscoito de arroz (e outros produtos que usam um procedimento chamado “extrusão”) como sendo tóxico e, inclusive, responsável por matar ratos mais rapidamente do que aqueles que comiam papelão. Por diversos meios, recebi a mesma notícia e a pergunta: esses produtos são tão perigosos?
Vamos lá… primeiro o que significa extrusão? A extrusão é um processo que envolve utilização de alta temperatura, pressão e fricção de uma mistura ou de um alimento. Nela, ocorre gelatinização do amido do alimento e desnaturação da proteína. Esse processo consegue inativar fatores antinutricionais de alimentos crus e podem, inclusive, melhorar a qualidade nutricional do produto por conta da alteração da proteína e do amido. Para a indústria, diminui a chance de contaminação e melhora a facilidade para consumo.
Não sou pesquisadora da área de tecnologia de alimentos, mas também imagino que o autor do texto também não o seja. Cita-se um estudo de uma instituição chamada Weston A. Price, de 1960. Ao procurar a tal instituição, eles citam as mesmas informações do texto em português (na verdade, o texto brasileiro que copiou o site internacional), sem detalhes sobre essa pesquisa realizada com ratos que morreram mais rapidamente ao comerem extrusados comparados àqueles que comeram papelão. Partindo do princípio que esse estudo realmente tenha acontecido nessas condições, no mínimo, temos que questionar se nunca mais ninguém pesquisou nada após essa descoberta que, no mínimo, seria impactante para os Estados Unidos, um alto consumidor de cornflakes. Aparentemente, não aparecem mais textos científicos sobre o assunto.
Em uma complementação do seu texto, o autor cita um outro trabalho originário de uma revista chamada Cereal Chemistry, de 1998, que, aparentemente, fala da desnaturação de um determinado tipo de proteína dos cornflakes. Só tive acesso ao resumo do artigo citado, pois é preciso pagar para lê-lo na íntegra. Aparentemente, o autor também acessou somente o resumo e fez uma tradução via Google, distorcendo um pouco o conteúdo, como qualquer tradutor da web. Pelo resumo, em nenhum momento se fala em toxicidade desses alimentos. Aliás, seria de se estranhar uma revista de tecnologia falando mal de um processamento como esse. Pelo contrário, a única conclusão que se lê é que essa alteração proteica seria a responsável pela textura do alimento. Nada muito perigoso. O salto que ele faz para as proteínas ficarem tóxicas continua um mistério.
Conclusão? Comer biscoito de arroz não é mais nutritivo do que comer arroz puro. Aliás, seria um padrão de alimentação bem pobre. Um alimento que vem em um pacote continua não sendo a melhor das escolhas, tendo em vista o conceito de alimentos processados e ultraprocessados. Porém, compondo uma alimentação variada, não existem evidências (nem sinais de evidências) de que são produtos que produzem efeitos tão sérios à saúde. Além disso, é importante olhar a composição do produto como um todo. Enquanto o tal biscoito somente contém arroz e sal, um cereal de milho contém açúcar, os snacks contém muito sal e gordura e assim por diante.
Outra conclusão importante que tiro dessa notícia é a necessidade de sempre olhar o contexto: quem a escreve, de onde é essa pessoa, qual sua experiência no assunto… Nesse caso, o autor é dono de uma empresa que produz “super alimentos” (não entendo o que realmente seria isso)… Não acredito que produtores de alimentos não tenham direito de escrever e colocar suas opiniões, mas sempre temos que entender o que cada pessoa defende (já que ninguém é neutro… incluindo eu) e por quais motivos defendem suas ideias!
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