Na semana passada, escrevi no Facebook sobre um dia em que minha filha almoçou um prato pouco variado (leia-se: verduras e legumes passaram longe) e a vontade que me deu de cortar a sobremesa que, no caso, seria um sorvete.
Para você, comer salada é uma obrigação?
No final da minha história, não coloquei em prática o meu desejo. A Manu tomou o sorvete e depois jantou um monte de legumes e verduras sem pressão. Mas os comentários desse post e tantos outras vivências que tenho com pais me mostram o quanto tentamos criar estratégias para as crianças comerem as verduras e como nos abala o fato de não comerem.
Então, venho nesse texto para falar que você pode estar dando um tiro no pé ao fazer as refeições do seu filho girarem em torno desses vegetais.
Comida nunca pode ser tratada como punição ou prêmio. Porém, quantas vezes não fazemos isso? Quantas vezes ameaçamos deixar de fazer algo porque a criança não comeu? Ou fazemos festa porque ela limpou o prato? Além disso, comer algo torna-se uma estratégia de conquista para que ela consiga comer outra coisa.
Em um dia desses, depois do jantar, Manu me perguntou se teria que comer a fruta para, então, comer um doce. Olhei para ela e me dei conta que a minha filha, com seus quatro anos, já estava incorporando a ideia do prêmio com a comida. Perigoso demais dado que atos sutis fizeram que ela chegasse a essa conclusão. Pode ter certeza de que, para não falar em culpa, a responsabilidade é de nós, adultos, que a cercamos.
Entenda… uma criança não vai aprender a gostar de alface sendo induzida a comê-la. E não é isso que queremos: que coma persuadida. Eu, pelo menos, quero que coma porque aquele alimento é gostoso e lhe cai bem naquela refeição. Naquele dia do almoço sem salada, se tivesse forçado a barra, minha filha certamente teria comido tomate, pepino e alface em troca do sorvete. Mas até quando a gente sustenta uma situação dessas? É viável, em cada refeição, acontecer uma negociação com relação ao seu prato? Aos poucos, essa negociação vai ficando mais difícil e maior até que, em um belo dia, seu filho cresce e você desiste por não ter mais controle sobre ele.
E os nutrientes importantes para a saúde dessa criança? Esse deve ser a principal motivação nossa para forçar a barra. Um prato variado tem mais chances de fornecer aquilo que alguém precisa. Isso é indiscutível! Mas os nutrientes dos alimentos não podem ser mais importantes do que todo o contexto da alimentação.
Receber quantidades ideais de proteínas, cálcio, ferro e vitaminas sob pressão deve ser mais agressivo e prejudicial do que ter uma refeição mais monótona, porém sem brigas e choros. Quando olhamos os adultos à nossa volta (e quando nos olhamos), é nítida a relação conflituosa que temos com a comida. Nós, muitas vezes, na primeira oportunidade, fugimos das saladas (olhe os pratos das pessoas em um buffet). Nós, também, não temos muita noção da nossa saciedade (olhe novamente os pratos do buffet) e fomos condicionados a limpar o prato. Por fim, nos premiamos com comida quase que inconscientemente. Será que nos damos conta de que estamos perpetuando esses padrões agindo de forma impositiva com nossos filhos?
Agora que você já sabe o que não fazer, vou te dar algumas sugestões de como agir:
- Prepare legumes e verduras nas diversas refeições. Passei a infância e a adolescência sendo tachada como alguém difícil para comer. Depois de adulta, percebi que vários alimentos não faziam parte da rotina da casa dos meus pais. Claro que eles devem ter parado de cozinhar conforme a minha rejeição ia crescendo. Mas você concorda que isso vira uma bola de neve?
- Coma os legumes e verduras (e todos os outros alimentos) que você preparou e que deseja que seu filho coma. Faça isso mesmo quando não está com os seus filhos! E tente fazer isso com prazer! Soa difícil para você? Talvez seja momento para procurar ajuda, porque as crianças são extremamente sensíveis e percebem o nosso comportamento e as nossas expressões.
- Não tenha em casa aquilo que não é para ser consumido com frequência. Conforme a criança cresce, é confuso ter guloseimas em casa e proibir ou negociar quantidades. Se até para a gente é difícil, imagine como é complexo para uma criança entender que não pode comer um doce que está no armário. Se não é para comer, por que ele estaria lá? Podemos e devemos fazer sobremesas, comer chocolate e chupar sorvete. Mas não precisa ser toda hora e em quantidades exageradas. Como parte da alimentação, é perfeitamente possível.
- Tenha em casa aquilo que você espera que seja rotina. Você deixa clara a rotina alimentar da sua família quando você escolhe o que comprar. Difícil querer que comam frutas de sobremesa e de lanches, se só tem uma variedade na fruteira.
- Preste atenção nos argumentos que usa para estimular uma criança a comer algo. Pense em um motivo para incentivar seu filho a comer brócoli? Porque faz bem! Porque vai deixar forte igual ao Hulk? Não que você não possa falar isso, mas dificilmente falamos que é gostoso! Sem perceber, já estamos atribuindo um valor ao alimento com esse nosso argumento. Lembro de uma situação que minha filha reclamou de ter brócoli no seu prato. Rapidamente, peguei para mim, falando que eu adorava (e não é mentira). Depois que comi o dela, ela me pediu um pedaço!
- Estimule a autonomia da criança no momento das refeições. Permita que ela monte seu próprio prato, sendo apoiado por você. Dê mais liberdade. Converse sobre o desperdício. Estimule a pegar menos e, se quiser, repetir, em vez de montar pratos cheios.
- Leve a criança para os momentos da compra e do preparo das refeições. Se tiver oportunidade, deixe-a ter contato com o cultivo dos alimentos. Isso dá outros sentidos para que ela tenha interesse e carinho pela comida. Quantas vezes, aqui em casa, minha filha não avançou nos legumes que preparo para os cursos de BLW?
- Respeite! Esperamos que eles gostem daquilo que estamos preparando, mas nossos filhos já possuem suas preferências e aversões. Podemos sim estimulá-los a experimentar de novo, mas perceba o limite dessa insistência e coloque-se no lugar dele. Deve ter alguma coisa que você também não gosta de comer. Imagine alguém toda hora te oferecendo esse alimento. Chato né? Uma criança deve se sentir igual.
- Se você está preocupada com os nutrientes, você pode deixar os alimentos que ele come mais “enriquecidos”. Pode colocar legumes no caldo de feijão, verduras na macarronada e na torta! Faça isso, mas não omita que está fazendo essas adaptações e, principalmente, não substitua os alimentos que possam ser realmente identificados por esses que ficam disfarçados nos pratos.
Hábito alimentar é uma construção diária que sequer se limita ao momento das refeições. Tente encarar a alimentação dos seus filhos com mais leveza e não como uma moeda de troca ou como um ponto de tensão da sua casa. Uma criança, em geral, não passa fome quieta e ela tende a ser menos seletiva se não tiver tantas influências negativas!