Por Viviane Laudelino Vieira
No dia 21 de setembro, será lançada uma campanha pela Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul intitulada “Seu filho é o que você come”. Segundo os idealizadores, seu objetivo, com foco na importância dos 1000 dias, é melhorar os índices de aleitamento materno e diminuir a obesidade infantil, por meio da educação da população, principalmente em relação à nutrição materna e infantil. Para atingir a esse objetivo, a agência de publicidade Paim desenvolveu diversas imagens, como a que segue abaixo, com uma cena clássica de amamentação, porém, onde estaria o seio materno, há diversos alimentos considerados “não saudáveis”, como hambúrguer, refrigerante e doces.
Mesmo antes do seu lançamento oficial, o impacto dessa campanha está sendo elevado. Por um lado, muitas pessoas apoiando o caráter polêmico e drástico das imagens, que serviriam de alerta para que mães passem a se cuidar melhor para que seus filhos, por consequência, tenham melhor saúde. No outro lado, apoiadores da amamentação criticam a mensagem das imagens de que oferecer leite materno pode ser algo tão nocivo quanto oferecer um copo de refrigerante ao seu filho. No meio disso, ficam as mães. Numa passagem rápida ontem pelo Grupo Virtual de Amamentação, o GVA, não foi difícil encontrar muitas mães mostrando dúvidas e, claro, culpa porque suas dietas nem sempre são boas e, então, refletindo se estariam oferecendo um bom alimento ao seu filho ao amamentá-lo.
Realmente o que a mulher come interferirá na qualidade do leite materno? A campanha deixa claro o risco para o desenvolvimento de obesidade no futuro e isso realmente é preocupante.
Vamos à literatura para obter mais informações. O leite materno é um alimento que realmente possui variações segundo diversas influências. Já ouvimos que o leite materno de um prematuro é diferente daquele produzido por uma mãe a termo. Ballard & Morrow (2013), em uma revisão sobre a composição do leite humano, mostram isso e que o teor proteico, os tipos de gorduras e teor de vitaminas variam por diversos motivos, sendo a alimentação da mãe um deles. Diversos outros autores trazem essa informação.
Porém, o quanto essa variação impacta no bebê? Michelle Branco, consultora credenciada pelo International Board Certified Lactation e membro da La Leche League, confirma tal variação, mas indica que, em geral o teor nutricional permanece dentro de uma faixa adequada ao bebê. Uma das maiores preocupação da campanha é relacionada com os tipos de gordura do leite humano, que variam em função, dentre outras razões, com a dieta materna. Porém, é unânime a fala dos pesquisadores quanto à superioridade da amamentação, independente da dieta materna, em relação a qualquer outro alimento nos primeiros seis meses de vida. Ademais, a relação entre amamentação e menores taxas de obesidade é recorrente na literatura, indicando que o leite materno apresenta fator protetor para o desenvolvimento do excesso de peso e qualquer outra opção de substituto não desempenha o mesmo papel. Além disso, o leite materno apresenta teor de fatores bioativos e fatores de crescimento necessários ao desenvolvimento infantil, com importante efeito no trato intestinal e nos sistemas endócrino, vascular e imunológico.
Então, voltando à campanha, promover a saúde materna, incluindo a alimentação, é muito importante, não somente pensando no leite materno, mas no próprio bem-estar da mulher. Mas será essa uma forma adequada de promover a amamentação e realizar “educação alimentar” na população? Será que essa mensagem realmente auxiliará a mãe a comer melhor ou existem outras dimensões complexas e interdependentes relacionadas a isso, como nível socioeconômico, disponibilidade de alimentos e a própria condição da mulher em se cuidar? Também precisamos considerar o pontencial impacto contrário da campanha, ou seja, incentivar o desmame precoce a medida em que as mulheres não conseguem ter uma alimentação subjetivamente satisfatória.
Muito se questionou quanto ao possível conflito de interesses existente na realização dessa campanha. Sabemos que as Sociedades Pediátricas apresentam patrocínio da indústria de alimentos infantis, que sobrevivem às custas da comercialização de substitutos de leite materno. Considerando que o foco do comércio é gerar lucros, quanto mais bebês usarem fórmulas e, para isso, desmamarem, melhor seria para a indústria. A Sociedadede Pediatria do Rio abrande do sul já se manifestou indicando não haver nenhuma influência da indústria na campanha, porém como conseguimos avaliar isso tendo em vista essa relação tão próxima?
Cabe a nós não recebermos tais informações passivamente. Também nos cabe promover discussão é uma reflexão mais crítica sobre algo que vem rotulado como tendo boas intenções. O GVA divulgou fotos em oposição à campanha gaúcha, valorizando o leite materno e a amamentação.
[…] contraditórias, com mamadeiras e chupetas à disposição, maternidades despreparadas e pressão da indústria de alimentos, estamos muito vulneráveis para ter a amamentação fluindo tranquilamente. Não sei se ela teve […]