A maior reclamação (ou preocupação) que ouço nos grupos maternos e nas consultas é sobre o filho não comer durante o período de introdução de alimentos. Todo esse receio não é à toa. As famílias, na maioria das vezes as mães, se desdobram para preparar uma refeição com todo cuidado de higiene e variada. Pediatras orientam sobre a necessidade de se iniciar a introdução de alimentos. Muita dedicação, esforço e carinho foram colocados ali para o bebê jogar tudo no chão ou trancar a boca, não?
O livro da Gill Rapley, sobre a abordagem do Baby-Led Weaning, fala sobre a importância dos pais controlarem suas expectativas e suas frustrações. Pode parecer muito duro, mas também pode ser tranquilizador se uma mãe pudesse ouvir que está tudo bem o bebê não comer.
Quero começar falando sobre as fases de introdução de alimentos, que ficam muito mais nítidas quando se faz o BLW.
Em um primeiro momento, o bebê olha para a comida como se fosse mais um dos seus brinquedos. Ele terá interesse por uma laranja não pela sua fome, mas pela curiosidade em pegá-la, apertá-la, arremessá-la, tal como faz com uma bola ou um boneco. É a cor viva da beterraba que seduz o bebê. Não é o seu sabor adocicado. É muito importante que as famílias saibam isso para perceber que o bebê tem interesse em explorar os alimentos e, não necessariamente, em comê-los.
Porém, um bebê com seis meses está na fase oral. O que significa isso? Significa que, praticamente tudo que ele pega, é levado à boca. Assim, ele tende a colocar os alimentos na boca também. Nesse momento, ele vai sentir os sabores. Por meio da sucção, que é também natural dessa idade, ele vai começar a perceber que consegue tirar pedacinhos desses alimentos. Assim, irá aprender o que fazer com esses pedacinhos: movimentar em toda cavidade bucal, amassar com a gengiva e, enfim, engolir. Nesse processo, é natural (e esperado) que aconteça o gag reflex.
Depois de dias, semanas ou meses (sim, meses!) que o bebê começa a associar a alimentação complementar como sendo algo que satisfaça a sua fome. No começo, ele terá sua fome saciada pelo leite e o alimento é um objeto de exploração. Um brinquedo!
Tudo correria de forma mais tranquila e natural se não fosse a nossa expectativa. Sempre me pergunto por qual motivo um bebê no auge da fase oral, capaz de lamber um chinelo sujo, não leva justamente os alimentos à boca. Muito provavelmente, pelo contexto que é criado em torno da alimentação. Ninguém força, pressiona ou induz o bebê a colocar seu brinquedo de borracha na boca. Ele faz isso espontaneamente. Ninguém fica olhando fixamente para ele, às vezes com câmera fotográfica ou filmadora, para ver se ele está mordendo o bichinho de pelúcia. A gente simplesmente deixa essas situações acontecerem.
Com a alimentação, o cenário tende a ser outro. O bebê é levado à mesa, em uma cadeira que até pouco tempo não usava e a atenção volta-se a ele para que faça algo: comer (que, para ele, é desconhecido). Isso que eu falo é ainda um retrato de uma família bem tranquila, porque não é raro ouvir relatos de mães e pais que esperam o filho abrir a boca por algum motivo qualquer e enfiar uma colherada adentro. Ou então achar que faz BLW mas ficar praticamente esfregando um pedaço de banana na sua boca.
Famílias: acalmem-se! Não é porque o bebê fez seis meses que o leite deixa de atender suas necessidades. A diminuição do quanto o leite é capaz de satisfazê-lo nutricionalmente é muito gradativa e individualizada. Se o bebê continua se desenvolvendo bem, será que justifica tanta preocupação? Sempre é importante relembrar que, além de fornecer calorias e nutrientes, a alimentação complementar serve para socializar o bebê, para auxiliar na formação dos seus hábitos alimentares e para construir uma boa relação dele com os alimentos. Um bebê que brinca com a comida está aprendendo muito naquele momento. E aí, pergunto… O que será registrado por um bebê que foi pressionado a comer desde o início? Vale a pena tamanho desgaste por causa de duas colheradas? Com o passar do tempo, todos nós passamos a comer e vale a pena pensar que bebês foram essas crianças e adultos que apresentam problemas com a alimentação hoje em dia. Será que foram os bebês que tiveram seu ritmo respeitado ou vivenciaram momentos de que comer era obrigação?