A Mulher, a Maternidade e a Criança Amamentação Sem Mitos

O que tem de errado com esse bebê que só dorme no peito e não pára de chorar?

Por: Viviane Laudelino Vieira

Imaginem a cena: bebê com um mês de vida, mãe em casa sem dormir, comendo quando dá e se desapegando de qualquer reflexo fisiológico que anunciaria que é hora de ir ao banheiro. O dia e a noite misturam-se e ela ainda circula de pijama pela casa (que já deixa meio aberto porque não vale a pena fechar 10 vezes em uma única hora), sem se dar conta que já seria hora de colocá-lo novamente. Enquanto isso, o bebê com carinha de anjo parece ter um mal incontrolável. Chora com uma força inimaginável para um ser de meio metro e menos de 4 quilos. Quando a mãe acha que ele acalmou e agora vai dormir, tenta, esperançosa colocar no berço (que inocência!), mas ele avisa que está acordado… Aos berros, para que o vizinho do primeiro andar também fique bem avisado.

Acabei de inventar esses dois personagens, mas poderia ser qualquer um. Fui eu, foram minhas amigas, as mulheres da minha família, as pessoas que conheci nos grupos de maternidade… E aí, como mãe, vem aquela famosa culpa de não saber o que está acontecendo com esse bebê, ainda mais com a “ajuda” das pessoas em volta, questionando porque ele está assim e dando dicas que são verdadeiras pérolas para acabar com essa manha toda: “deixa chorar, senão vai ficar mal acostumado”, “não pega no colo”, “põe chupeta” e (o golpe fulminante direto na jugular) “ele deve estar com fome”. Ah… e além de não saber o que acontece com o bebê, vem também aquela vontade secreta de sair correndo e não voltar mais. E dá-lhe mais culpa que, em minutos, você vai chorando para o seu bebê dizendo que jamais faria isso.

Aqui em casa foi assim. Manu sempre teve uma veia cômica… Só pode ser isso! Nas primeiras três semanas, ela me fazia pensar que puerpério era uma coisa bem mais fácil do que eu imaginaria. A rotina era intensa, mas ela mamava e desmaiava. Aliás, desmaiava, mamando. E dormiria horas se eu não acordasse a cada duas horas para poder mamar porque tinha perdido peso na maternidade. Hoje me questiono isso porque passei dias na rotina “faz acordar-amamenta-arrota-troca-dorme” (depois mudei e aboli algumas dessas etapas). Mas, de qualquer forma, eu me orgulhava em falar que ela não dava trabalho. As visitas vinham em casa e a Manu dormia sem a menor dificuldade. Com aquele rosto branco e bochechas rosas, parecia uma boneca. Brincadeira sem graça.

Até que um belo dia, eu estava já surtando por não conseguir sair de casa (meu auge era ir até a farmácia da esquina comprar qualquer remédio) e me organizei com o marido para me deixar no supermercado (olha o nível do passeio) para que eu pudesse fazer as compras sozinha (ele tem muita boa vontade, mas, para quem morava sozinha há quase 15 anos, ter sua comida comprada por outra pessoa não estava sendo fácil). Como a avó da Manu mora perto do mercado, eles ficariam lá e seria o tempo certo entre uma mamada e outra. Armadilha.

Exatamente nesse dia, Manu, que tinha que ser quase torturada para acordar, resolveu despertar e, claro, sentiu falta da mamãe, lembrando que, naquela altura do campeonato, para ela, mamãe e bebê são uma coisa só. Imagino que seja uma sensação parecida da gente acordar e perceber que está sem uma das pernas. Não lembro se foi o marido que me ligou ou eu que liguei para ele, mas nos falamos por telefone e recebi a noticia que ela tinha acordado. O marido tentou amenizar a situação, falando que ela estava um pouco chorosa, mas eu conseguia ouvir os berros pelo telefone. Ele ainda disse que daria conta, mas quando desligamos eu que comecei a chorar, pois só lembrava que essas sensações de insegurança para um recém-nascido são semelhantes a uma dor física (olha a perna cortada de novo) e não sabia o que fazer com aquele carrinho lotado porque não conseguia terminar as compras. Liguei de volta e pedi para virem me encontrar: eu amamentaria no carro (porque não levava a Manu naquela idade em locais fechados) e ele terminaria as compras. Foi uma piada!

Depois disso, Manu, esperta, nunca mais dormiu como antes. Deve ter se ligado que eu poderia sumir de novo. Ela fez marcação cerrada. Tentava colocar no sofá quando ela estava entregue nos meus braços e nada. O pai pegava um pouco para eu poder jantar e era uma loucura. A situação ficou mais animada porque essa fase coincidiu com o fim das férias dele e, então, éramos ela e eu por umas 10 horas direto. Cheguei a passar o dia inteiro sentada no sofá quase imóvel, com um pacote de biscoito ao lado para beliscar com a mão que sobrava. E ainda estava desenvolvendo a Síndrome de Quervain, uma espécie de tendinite nas duas mãos, típicas de mães que dá uma sensação que parece que sua mão vai quebrar quando você abre, principalmente o polegar. De noite, a Manu dormia num moisés no nosso quarto e também eram horas fazendo dormir e levantando sem qualquer movimento brusco para a tentativa, muitas vezes frustrada, de dormir um pouquinho. E, quando é madrugada, o desespero que bate é ainda maior.
Não demorou muito para virem os questionamentos e dúvidas. Será que ela tinha alguma for dor (até no PS levamos num domingo à noite que, na verdade, éramos o marido e eu precisando de algum cuidado)? Seria refluxo oculto (já que quase nunca regurgitava)? Cólica? Eu tinha uma chupeta que (confissão) havia comprado durante a gravidez e cheguei a quase abrir o pacote algumas vezes. Era o desespero dominando. Um dia, o marido chega em casa falando que conversou com algumas pessoas e viu que, em alguns casos, o peito não bastava e, quando davam a mamadeira, o bebê acalmava. Pronto! Tinha entrado em casa o medo do leite fraco ou insuficiente. Aí a mãe leoa teimosa e nutricionista ressurgiu. Nem a pau vou deixar esse medo nos pegar. Como tinha muitas horas com uma das mãos livre, usava muito o celular para ler e comecei a mergulhar nos temas de picos de crescimento e saltos de desenvolvimento. Eles acontecem diversas vezes ao longo desses primeiros anos e costumam ser momentos importantes para o bebê, mas ele muda de comportamento.
Os picos partem do pressuposto que o crescimento não é linear. Existem momentos mais intensos e, para isso, o bebê precisa de mais energia (e mama muito mais). Os saltos são relacionados com a aquisição de novas habilidades (pegar algo, sentar, engatinhar…), que gera estresse e conflito no bebê para conseguir se desenvolver e, assim, ele dorme mal, solicita mais atenção e precisa sugar para se acalmar. Também passei a ler sobre exterogestação, que discute a importância no cuidado nos primeiros meses do bebê, quando ainda não tem a percepção de que não está mais no útero materno.
Depois disso, decidi fazer as pazes com minha bebê e comigo mesmo e fazer desses períodos os mais tranquilos para nós duas. Investi em banhos relaxantes para ela, shantala, música, colo e peito… muito peito! Também passei a amamentar deitada algumas vezes, porque era mais confortável no calor e era mais fácil de levantar quando ela dormisse. Para mim, aproveitava os momentos imóveis para assistir àquilo que gostava na TV, conversar com as amigas (puérperas) e ler. Aos poucos, também, quando dominei a habilidade de usar o sling, passamos a sair com mais frequência. As madrugadas (algo que julgo incomum) melhoraram quando testei colocar a Manu para dormir em seu próprio quarto, no berço. Foi a primeira noite que ela dormiu umas seis horas seguidas. Depois, a Manu voltou para nosso quarto em outros momentos, mas isso é outro capítulo.
O leite, caso alguém duvide, nunca faltou e a Manu não chegou a usar mamadeira e nem aquela chupeta precisou ser aberta.
Entender cada momento ajuda muito a passar por tudo e, mais do que isso, a realmente aproveitar cada fase. Hoje, bem mais tarde, meu coração materno já apagou as sensações de desespero e as dificuldades de comer em pé com uma mão ou escovar os dentes com a bebê no colo. Ficaram as lembranças daquela bebê que mal conseguia perceber algo além do seio, que pedia por pouco espaço e que tinha toda segurança que precisava nesse colo. Puerpério dá saudades.

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