Amamentação Sem Mitos

Pode amamentar, mas coloque um paninho

Por Viviane Laudelino Vieira
Nessa semana, na capa da Marie Claire, estava Carolina Ferraz, linda e faceira, amamentando seu filho. Constava o título “Corpo & Liberdade”, com o intuito de promover o direito da mulher em amamentar em público sem sofrer constrangimento, dentre outros relacionados ao seu corpo. 

  
A capa foi divulgada não somente pela própria revista mas por diversas outras páginas. Muitas pessoas aplaudindo… Outras questionando o conteúdo contraditório da capa com o conceito da revista (que, não se iludam, continua o mesmo)… Críticas pelo fato da Carolina, na sua gravidez, ter desmerecido o parto humanizado (atitude lamentável)… Mas, o que me chocou foi ler inúmeros comentários contrários, criticando a amamentação em espaços coletivos ou, se a fizer, que seja com discrição. Ah… Vale destacar que todos os comentários que li foram feitos por mulheres. Doeu!

Ninguém se colocou ali, explicitamente, contra a amamentação. Mas sugeriram ser exibicionismo deixar o seio à mostra ou ser conveniente usar um paninho para ser mais discreta e evitar olhares maldosos masculinos, afinal, “homem é homem e seio é seio” (!?!?!) ou para não constranger outras pessoas que “não querem ver isso”. Tentei provocar alguns comentários para entender as motivações relacionadas, mas as respostas tendem a não aprofundar e limitam-se ao clássico “minha opinião”. 

Uma pesquisa coloca o Brasil entre os países onde as mulheres mais sofrem constrangimento por amamentar em público: 47,5% referiram já ter tido problemas, pelo menos, em algum momento. Nessa trajetória de amamentação, na qual já temos mais de 26 meses, posso me considerar uma pessoa de sorte. Somente uma vez, uma mulher desconhecida desviou seu caminho e me abordou para ” avisar” que a Manu já era muito grande para mamar. Desde muito tempo, não me incomodo com a livre demanda ocorrendo em qualquer espaço e sem paninhos, mas isso foi um aprendizado e uma conquista. Ainda grávida, sem refletir muito, providenciei uma capa de amamentação (e ganhei outra) e, assim que a Manu nasceu, passei a usá-la. Mais do que um constrangimento pela exposição do seio (mas isso também existia), era uma insegurança de uma recém mãe, com muitas dúvidas se sabia cuidar da sua filha. No começo, tinha o pano para restringir a mim e à Manu esse momento, afastando-o de outros que eventualmente ficariam curiosos. Porém, foi ela quem deu sinal de que não gostava de ser coberta e ficava nervosa. Aí, entre o bem-estar dela e a insegurança minha, fiquei com a primeira opção. Ao mesmo tempo, passei a achar absurdo qualquer discurso que coloque a amamentação como algo a ser escondido. O escondido é algo que é errado. Estava, então, claro que não deveria agir diferente em função de terceiros no que se dizia a respeito do cuidado dado a um filho. E, quanto mais eu tornava isso natural, possivelmente posso ter contribuído para que o meu entorno também deixasse de se incomodar com uma mulher amamentando no seu campo de visão.

Em um país onde as mulheres amamentam exclusivamente por menos de 2 meses, já é de se esperar que não seja tão comum termos mães alimentando seus filhos com leite materno andando pelas ruas. Mais comum é que eles tomem suas mamadeiras e isso não choca a maioria. E, por mais que sejamos considerados um país com muita liberdade, estamos cercados de muitas situações onde a mulher é subjugada e desvalorizada. Temos heranças culturais fortes que se traduzem em um machismo velado. Temos toda e qualquer variedade de roupas à disposição, mas é comum um homem se achar no direito de assediar uma mulher e também é comum culpar essa mulher pelo assédio ao ter escolhido uma determinada roupa em vez de outra. Deveria ter se coberto mais para não ser violentada? Tratamos com uma triste naturalidade mulheres semi-nuas ou em trajes sensuais vendendo cerveja, carro, futebol (produtos que seriam feitos para o homem). É nesse cenário que a amamentação pode se constituir como ofensa a uma sociedade preconceituosa, que colocam de forma contraditória, a exposição do corpo feminino como algo inaceitável e obsceno no dia a dia. E, mais uma vez, a mãe precisaria adaptar-se a essa sociedade, cobrindo seu corpo e se escondendo, para que o machismo (que naturaliza o homem como alguém que pode explorar, mesmo que visualmente, a mulher) se mantenha?

E qual o motivo da rejeição da amamentação em público vir de nós mesmas? Infelizmente, compactuamos com esse machismo em pequenas atitudes, sem perceber e, muito menos, sem conseguir nomeá-las como preconceituosas. Mas quando olhamos desconfiada para a mulher bonita e jovem ao lado de um homem mais velho ou nos afastamos daquela colega que assume ficar com quem bem entende… Qual o nome disso? Provavelmente, é o mesmo nome dado à atitude de quem trata a amamentação sem discrição como falta de bom senso. 

Por isso, eu decidi não perpetuar, pelo menos entre a Manu e eu, essa situação de inferiorização e de desrespeito aos nossos direitos. Não é questão de exibicionismo (apesar de que seria bem positivo querer exibir que minha filha recebe o melhor dos alimentos), mas se trata de uma responsabilidade social de querer fazer um mundo diferente. Ainda mais que, por ser mãe de menina, desde cedo quero que ela não se sinta culpada ou minimizada por ser mulher.

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  • Adorei o texto! Tb amamentei meus dois filhos até 1 ano e pouco e comecei me cobrindo por causa disso tudo (sociedade, vergonha, marido, sogro, etc.) até notar que meu bebê não gostava e literalmente, cozinhava embaixo da toalha fralda. Como fui muito bem orientada durante a gravidez com o curso Sos Mamãe, tirei tudo, mudei minha cabeça e passei a ter uma auto confiança e orgulho enorme do que estava fazendo por ele – e, me diga, porque sentir vergonha por isso?? Passei a amamentar em qlq lugar, sem me incomodar com olhares e só prestando atenção em meus pequenos. Com isso, notei que o mundo a minha volta começou a mudar tb: marido apoiando cada vez mais, sogro e outros parentes mais velhos tratando com naturalidade, amigas e irmãs comprando a ideia da amamentação. Me sinto extremamente feliz em saber que todos eles e, especialmente, meu filhos apoiarão mais mulheres a amamentar.

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