Amamentação Sem Mitos

Por que amamentar em livre demanda é um tabu?

Por Viviane Laudelino Vieira

Há alguns dias, comecei a buscar informações em diversos grupos sobre a amamentação sob livre demanda. Mas eu não queria ler aqueles referenciais clássicos que defendem a livre demanda nos primeiros meses de vida do bebê, um momento em que é desejável que ele esteja em aleitamento materno exclusivo e, dentro dessa perspectiva, a livre demanda é uma das práticas que vão garantir essa amamentação até o sexto mês. Mas eu estava buscando textos que problematizassem e, se possível, apoiassem a livre demanda até o famoso “dois anos ou mais”, tal como é definida a duração da amamentação pela Organização Mundial da Saúde.

O que eu percebi ao longo desses dias? Que praticamente não há nada escrito com maior sustentação teórica e/ou cientifica sobre a manutenção dessa forma da mãe oferecer o leite materno. Encontrei alguns relatos de experiências (de sucesso), poucos textos em outros blogs e grupos relacionados à amamentação que falam sobre não restringir a amamentação durante a introdução de alimentos, uma entrevista de um profissional da saúde que fala da livre demanda, mas faz uma certa “ressalva” caso o bebê não coma… Vi Carlos Gonzalez, em Mi Niño No Come (aliás, diga-se de passagem, um livro que também merece ser traduzido, pois é um dos melhores que conheço sobre alimentação infantil) defendendo a livre demanda, mas sempre se remetendo aos primeiros meses de vida do bebê. Enfim, não achei quase nada, mas pelo menos li que, sim, a OMS realmente apoia a amamentação até dois anos ou mais sob LIVRE DEMANDA. Mas, não nos dá o caminho das pedras. Aliás, ainda estou aberta a receber literatura sobre o assunto.
Minha motivação para discutir o tema já deve ser meio óbvia. Nós, mães, somos constantemente focos de trabalho de diversas pessoas (profissionais da saúde, pedagogos, vizinhos, sogras, maridos…) para colocarmos limites para essa criança que não sai do peito. E, aí, os motivos são muitos: o bebê come pouco porque mama muito (e, eventualmente, ganha “pouco” peso), o bebê come muito e ainda mama muito (e, então, está ficando “gordinho”), o bebê precisa aprender a ter rotina porque está crescendo, o bebê não dorme direito “ainda” à noite, o bebê é muito ligado na mãe e “rejeita” o pai, o bebê é um viciado no peito e vai ser cada vez mais difícil tirar esse vício, ele tem/terá uma dependência psicológica da mãe, a mãe tem/terá uma dependência psicológica do bebê… Enfim, daria para escrever um post só contando essas histórias que ouvimos.
Na verdade, tenho percebido que o massacre da livre demanda vem decorrente de um preconceito que se tem da manutenção da amamentação até os dois anos. Se choca a sociedade ver uma mãe qualquer amamentando, choca muito mais ver amamentando um bebê que já anda, fala, tem dentes, ou seja, alguém que está mais próximo das características de um adulto quando comparado com um bebê que mal sustenta o tronco. Então, seria muito conveniente a mãe passar a amamentar cada vez em menos horários e lugares, negando o peito ao filho em situações “desnecessárias”. Tem um caso que meu marido conta de que, em uma festa de casamento, iriam passar uma daquelas retrospectivas dos noivos e, coincidentemente, estávamos sentados em baixo de um dos telões. Manu, com mais de um ano, pediu para mamar porque certamente estava incomodada com aquele ambiente tão diferente para ela e, automaticamente, eu amamentei. Parece que algumas dezenas de pessoas não sabiam se olhavam o telão ou a cena… Eu assisti à retrospectiva!
Também vejo que essa necessidade de se impor horários está relacionada com uma interpretação sobre o papel da alimentação sólida para o desenvolvimento infantil. Para aqueles que veem como sendo um substituto do leite materno, logo você precisaria privar o bebê de receber leite materno nos horários em que receberá alimentos (e, se pensarmos que, já com onze meses, o bebê comerá quatro a cinco vezes, teríamos que tirar as mamadas de, praticamente, o dia todo). Essa é uma percepção de que, com a introdução de alimentos, automaticamente, iniciamos um processo de desmame. Em muitos lugares e falas, percebo essa ideia implícita ou explícita. Aqui deixo claro que, se você decide impor horários, realmente você está administrando um desmame dado que abandonar a livre demanda você interferirá automaticamente na quantidade e na qualidade do leite produzido. Porém, se estamos falando usando a perspectiva de alimentação complementar, não faz sentido tirarmos o leite materno de cena, dado que os demais alimentos estão começando a aparecer na vida do bebê e eles têm um papel que, nesse momento, não é garantir todos os nutrientes e energia. Isso é um processo no qual, se acreditarmos que os bebês são capazes de se desenvolver sem precisar de tantas intervenções adultas (mas que os bebês não se desenvolvem todos da mesma forma e ritmo), ele irá aumentando o espaço na sua vida para receber alimentos sólidos e diminuirá, por sua própria conta, sua demanda pelo leite materno. Para quem tem arraigado que bebês são seres incapazes, manipuladores e fazem manha, fica realmente muito difícil acreditar em amamentação sob livre demanda, sem intervenções adultas.
Além disso, existe uma questão que acredito ser a mais complicada: a relação entre mãe e bebê e a amamentação. É o que ouvimos de muitas pessoas sobre aquela mãe não quer deixar de amamentar para não assumir que o filho está crescendo e coisas parecidas. Não estou dizendo que nós, mães, estamos livres desse sentimento de perda que dá ao pensar no desmame e que somos muito bem resolvidas em relação a isso. Mas, também não acredito que se devem combater esses sentimentos e medos maternos colocando limites nessa relação a partir de um determinado momento em que se julga que o bebê já está crescido o suficiente para aprender que não pode ter o peito na hora que quer. Seria muito mais interessante ouvir a mãe, dar voz a esses sentimentos e acolhê-la em vez de minimizar essa complexidade relacionada à amamentação e, principalmente, tratar como algo não saudável. Para falar um pouco sobre essa questão relacionada ao vínculo mãe-filho, é importante retomar a nossa compreensão de livre demanda. É dar o peito sempre que o bebê quer, certo? Mas, o que significa o bebê querer? Quando mais novo, suas demandas são muito mais simples e viscerais e praticamente voltada à mãe. Conforme cresce, o bebê está se relacionando com o mundo e tem necessidades mais complexas. Ele pode levar um tombo, brigar com alguém, estar se sentindo sem atenção e querer o peito. Enquanto amamentamos, o peito é um objeto que nos dá muito poder. Conseguimos acalmar o filho mais rapidamente do que qualquer pessoa sacando o peito para fora, resolver um choro em público, olhar e-mails no celular e fazer alguns trabalhos tendo o bebê um pouco quieto. Aí que talvez esteja um nó que precisamos ficar atentas: sair da conveniência de dar o peito (porque é raro um bebê rejeitar mesmo que não tenha pedido, mas estando vulnerável) para dar atenção e relacionarmos com nosso filho de outras formas. Para isso, precisamos observar muito nossos pequenos, estarmos atentas aos sinais que eles nos mandam e como eles vão mudando ao longo do tempo. Temos, sim, que deixá-los crescer, nunca negligenciando o peito, mas dedicando tempo para sentarmos ao chão e brincar, dando um abraço, conversando e estimulando-o a falar sobre seus sentimentos quando ele se frustra ou entristece, ou seja, dando segurança ao seu filho de que você sempre estará com ele independente do peito. Assim, tudo vai acontecendo naturalmente e o bebê deve deixar de mamar quando ele se sentir pronto. Aqui em casa, a Manu mama, mas é nítida a sua diferença ao longo do tempo. Ela facilmente seria classificada como uma bebê que vai dar trabalho para parar de mamar porque solicitava muito o peito quando menor. Comparando com a maioria dos bebês da sua idade (não devemos comparar, mas é só com um sentido de exemplo), ela mama mais do que outros (a maioria nem mama), mas já passa muito tempo sem se lembrar do peito. Talvez, agora, possamos ir a um casamento e ela preferir assistir à retrospectiva a mamar! Isso se chama desenvolvimento infantil!
Livre demanda é um assunto muito amplo e que não se esgota com um único texto. Vou escrever melhor sobre como lidar, na prática, com a amamentação e a alimentação complementar, um momento que gera muita angústia nas famílias, e sobre a volta ao trabalho e a amamentação. Por último, quero deixar também a mensagem de que a livre demanda só vai ser sadia em uma relação em que mãe e bebê estão felizes. A mãe que se sente triste e esgotada com essa condição precisa, pelo menos, ser ouvida para que não se sinta culpada com os seus sentimentos, mas também precisa ser ajudada com o intuito de buscar o melhor para ela e para o seu filho. Muitas vezes, esse esgotamento e tristeza não são pela amamentação por si só, mas pelo acúmulo de funções que ela acaba tendo: trabalha fora, trabalha dentro, é mãe, é esposa… São muitos cuidados que são solicitados a ela para além da amamentação. Também é um assunto que merece ser aprofundado e, então, aqui deixo só uma provocação inicial.

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