Amamentação Sem Mitos

Por que defendemos a publicidade das fórmulas infantis?

No sábado, dia 22, uma amiga publicou a imagem de um congresso de pediatria com um pôster enorme de publicidade de fórmula infantil. No seu texto, ela contava outros absurdos que lá aconteceram que contrariavam a promoção, apoio e defesa do aleitamento materno. O post viralizou! Mas além das pessoas que ficaram indignadas, apareceram outras manifestações. Teve desde a turma do “não é bem assim”, até outra que jura que nunca viu médico sofrer interferência na sua conduta por causa de um brinde, passando ao grupo que acha que somos contra à existência das fórmulas.

A resposta para essas manifestações contrárias a algo que é tão absurdo não é nada simples e, provavelmente, impossível de ser completamente dada! Mas vou propor algumas reflexões aqui.

Algumas pessoas sentiram-se ofendidas com a publicação por terem passado por dificuldades na amamentação, referindo que as fórmulas salvaram os seus bebês. Imagino que a maioria dos defensores do aleitamento materno não sacrifique um bebê a qualquer custo, ou seja, se a amamentação não está funcionando e os problemas não são corrigidos rapidamente, é necessário prescrever fórmula. Ninguém é contra à existência desses produtos. Somos contra a banalização do seu uso. É diferente orientar a fórmula depois de ter tentado realizar o manejo do aleitamento. É diferente prescrever uma fórmula já tendo um plano para sua retirada. Quando me deparo com a maioria dos bebês tendo o aleitamento materno exclusivo interrompido antes do momento adequado, algo deve estar muito errado. Vejo rotineiramente bebês e mães que não foram devidamente orientadas e apoiadas e, então, tiveram a amamentação interrompida. Será que tantas mulheres possuem dificuldades insuperáveis a ponto de já saírem da maternidade com a prescrição da fórmula? Ou, então, de ganharem a receita nas primeiras consultas do pediatra quando o bebê não atingiu o tal valor de 25 gramas por dia (uma recomendação que não consta em nenhum documento oficial sequer)?

Veja o gráfico abaixo!

Ele mostra a comercialização de fórmulas e compostos lácteos ao longo dos anos, tanto em valor monetário como em volume. ANO a ANO, há aumento nos dois indicadores. Será que as crianças estão realmente precisando cada vez mais desses produtos? Ou será que estamos sendo induzidos ao seu consumo? Se você observar, a “linha” que mais vem crescendo é a de “toodlers”, que seriam os compostos lácteos para aqueles com um ano ou mais (uma idade que sequer seria necessária a utilização de um produto diferenciado). Isso mostra claramente que há um investimento forte para fazer com que mais e mais crianças sejam levadas a consumir tais compostos ao longo das últimas décadas. Caso você não saiba, esse é um setor industrial extremamente lucrativo, acumulando bilhões de dólares anualmente.

Será que, se fosse somente para ser fornecido como opção quando o bebê estivesse em risco, teria tanto crescimento? E será que precisaria de tanto marketing?

Aí, fica estranho quando um profissional da saúde relativiza essa publicidade, dizendo que não é afetado por ela. Eu sei que é muito complicado assumir que, mesmo sendo médico e tendo estudado uns 10 anos, você é a presa mais desejada da indústria. E, mutas vezes, uma presa fácil. Quantas vezes, em sala de aula, ela deve ter se feito presente de forma direta ou indireta… Quantos materiais tidos como científicos foram produzidos com recurso desse ramo e/ou por autores com conflitos de interesses… Quantos cursos de atualização já não frequentamos cujo responsável foi uma empresa de fórmulas… Quantos congressos só conseguem manter sua existência com tais patrocínios… Quantos consultórios já foram equipados ou quantos materiais de papelaria foram economizados com auxílio da indústria… Poderia trazer tantos mais exemplos aqui!

Se não fosse uma abordagem efetiva para a indústria, tenha certeza de que ela não investiria tanto em você, meu caro colega! Uma empresa precisa lucrar para sobreviver. O lucro dela vem às custas dos bebês consumindo fórmulas e compostos lácteos. Quem geralmente indica essa fórmula é você, pediatra ou nutricionista. Alguém deve ter feito a conta que, mesmo gastando tanto com milhares de profissionais de saúde e com tanta “ciência”, há um retorno ainda maior! E provavelmente ainda reverbera em cifras importantes quando a empresa se apropria do discurso de apoiador da amamentação, mesmo que cada criança que complete os 6 meses de aleitamento materno exclusivo e os 2 anos de aleitamento continuado signifique um consumidor a menos.

Como falei, é difícil perceber e assumir que somos manipulados. Mas veja como é óbvio que não é uma boa ação que estão fazendo em prol da sua atuação profissional ética e isenta de conflitos (caso você seja profissional da saúde) ou da sobrevivência do seu filho (caso você seja mãe ou pai). A NBCAL, uma legislação que coloca limites na publicidade de fórmulas e outros produtos destinados a bebês, levou anos para virar realidade porque existia um lobby intenso por parte das indústrias para que isso não acontecesse. Há poucas décadas, propagandas desses produtos eram realizadas em veículos diversos da mídia, como TV e revistas. Pior do que isso, no começo do século passado, essa mesma empresa produtora de fórmulas, vendia leite condensado como opção saudável para alimentação de bebês, por exemplo. Você ainda é capaz de acreditar que o foco é realmente a saúde dos bebês?

 

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