Há algum tempo atrás, trazendo o assunto do BLW, foi publicado um texto,criticando duramente o contexto atual que cerca a alimentação infantil, como sendo elitizado e, mesmo tendo um rótulo pró-saúde, nem sempre é tão saudável assim. O texto em questão foi bastante polêmico e, particularmente, gostei muito das colocações e teve uma que veio de encontro do que tratamos aqui no Maternidade Sem Neura: seria o BLW uma técnica para poucos (e privilegiados)? Em vez de ser uma proposta que naturalize a introdução de alimentos, ela cria mais barreiras?
Fiquei pensando muito sobre isso e, da forma como o BLW vem sendo promovido, ele pode se tornar excludente. Começando pelo nome: usamos uma sigla do termo em inglês. Sequer criamos algo que seja acessível para quem é brasileiro. Alimentação guiada pelo bebê? Alimentação infantil com autonomia? Até a alimentação participativa, que também vem sendo tratada como uma técnica de introdução de alimentos, coloca-se como algo diferente do BLW.
E existem cursos para BLW. Atendimentos. Utensílios culinários, Receitas. Nós, do Maternidade Sem Neura, promovemos cursos várias vezes ao ano e boa parte do meu atendimento é voltado para famílias que estão iniciando a alimentação complementar. Não seria incoerência minha criticar algo com o qual trabalhamos?
Vamos lá tentar discutir um pouco isso!
Primeiro, há uma grande confusão sobre qual é, de fato, a proposta do BLW. Não é a forma de corte dos alimentos. Cortar os alimentos é importante para auxiliar a pega dos alimentos pelo bebê e existem ideias que sugerimos para que isso ocorra (ou para evitar expô-lo a algum risco). Mas como cortar os alimentos é somente um dos pontos do BLW, não adianta fazer os cortes mais adequados para que o bebê consiga pegá-los enquanto eu como separada da minha filha ou, então, eu estou comendo um macarrão instantâneo com coca-cola enquanto ofereço batata-doce orgânica com brócolis e bolinho de arroz integral assado. Isso é uma ótima opção para o seu filho comer, mas isso foge da essência do BLW.
Então, se você simpatiza com a técnica, precisa estar disposto a algumas questões, só para começar. A primeira é rever os hábitos alimentares da família. Não é só o hábito da mãe, por favor. É de todos. E mudar hábitos não é fácil. Por isso, isso precisa ser repensado seriamente. A segunda questão é estar disposto a flexibilizar o ideal da alimentação infantil que estamos vendo por aí. Então a criança vai acabar comendo um pouco mais de sal do que o esperado (ainda dentro de uma quantidade aceitável), mais gordura (porque uma família não come tudo no vapor o tempo todo) e, principalmente, o bebê vai comer o que ele quer (e não o que escolhemos para colocar na papinha, muitas vezes, toda misturada e com sabores e texturas impossíveis de serem identificados).
Além dessa reflexão prévia sobre como será a inserção do bebê aos hábitos alimentares da família, outro desafio que uma família praticante do BLW se depara é o tempo e a dedicação do cuidador. Um bebê alimentando-se sozinho é muito diferente de um bebê que é alimentado com papinhas. Uma vez, li um comentário de alguém que chamou de preguiçosas as mães que faziam BLW. Mal sabe essa pessoa que uma papinha resolve a refeição em menor tempo e com menos sujeira. O bebê pode passar dezenas de minutos interagindo com a sua refeição, porque, naquele momento, levar à boca é somente uma das possibilidades de interação dentre tantas. E findada a refeição, sobra um rastro enorme de restos nos móveis, chão, roupas e corpo do bebê. Pensando que um bebê já come cerca de quatro vezes por dia, se a mãe for a principal responsável pela alimentação, ela passará praticamente o dia todo cozinhando, comendo junto e limpando.
Aí temos um grande problema (ou vários): em um país onde a maioria das mulheres retorna ao trabalho antes da introdução de alimentos iniciar-se, a mãe não participará da maioria das refeições do bebê (e, tampouco, o pai) e ter um outro cuidador que banque o BLW não é algo tão simples assim. As escolas, creches e berçários normalmente não trabalham com a técnica. Muitas vezes, sequer a conhecem. Mais do que desconhecimento, a maioria delas não dispõe de estrutura para tal, tendo em vista que é necessário um acompanhamento muito próximo do bebê no momento da refeição para não expô-lo a riscos. No método tradicional, mesmo existindo também o risco de engasgos, é o cuidador quem controlará quando colocar a colher na boca do bebê e quanto de comida dar. O BLW requer observação muito mais intensa por parte do cuidador e esse tempo pode não ser disponível para quem tem que cuidar de mais de uma criança e/ou de diversas outras atividades ao longo do dia.
Aí, entramos no mérito da partilha dos cuidados entre os responsáveis por um bebê. O bebê não é só da mãe e o BLW precisa ser realizado pela família e não somente por um membro dela. E todos os demais cuidados que cercam essa criança (e todas as outras demandas que reverberam na família) também precisam ser partilhadas entre seus membros. Caso contrário, estaremos propondo um modelo de alimentação que promove a saúde de um bebê às custas de um desgaste intenso de um dos membros da família, nesse caso, a mãe. Existem situações mais favoráveis para que mulheres liderem esse processo (mas não necessariamente 100% justos): quando conseguem permanecer o período da introdução de alimentos junto ao bebê sem precisar realizar trabalho remunerado ou quando essa família consegue custear um cuidador ou escola suficientemente capacitado(a) para estender todos os cuidados desempenhados pela família. Para outra parcela da sociedade, com mães que trabalham 8 horas por dia e levam horas no trânsito para chegar em casa e, chegando lá, são as responsáveis por limpeza, alimentação de TODA a família, organizar contas, fazer compras, horários de médicos, conversar com os filhos e com o marido sobre como foi o dia… parece-me injusto falar que ela ainda precisa separar uma boa parte da sua noite com o BLW do bebê. BLW só funciona se, além de ter uma reflexão sobre os hábitos alimentares da família, existir uma discussão séria sobre a PARTICIPAÇÂO da família.
Então, vale a pena buscar tantas especificidades, inclusive profissionais, para realizar o BLW? Depende! Alimentação infantil é um assunto importante, que não é de domínio público e sequer de todos os profissionais que lidam com infância ou com nutrição. Alimentação por BLW, menos ainda. Porém, qualquer profissional precisa vir para apoiar esse processo e não para impor regras. E isso vale para tudo, incluindo o BLW.
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