Por: Viviane Laudelino Vieira
Quando engravidei, imaginava que os seis meses de licença maternidade seriam uma eternidade e eu, provavelmente, iria surtar por não ter minha rotina de mulher que trabalha fora apaixonada pela profissão e que não hesitava em chegar em casa e continuar produzindo.
Com a vinda da Manu, a primeira sensação foi da morte abrupta da Viviane não-mãe, sem direito a funeral, e o nascimento de uma outra pessoa, que eu não conhecia. Já contei em outros posts como a rotina virou do avesso: não tinha condições de sair de casa nas primeiras semanas porque amamentava sob livre demanda e a Manu demandava toda hora, não conseguia ler um artigo científico tendo que interromper a cada três minutos por causa de um engasgo, um choro, um sono (e, mesmo que tivesse mais do que três minutos, parecia que tinha 10% dos meus neurônios funcionando) e não via mais pessoas do meu dia a dia. Parece o retrato do inferno, mas não foi bem assim.
Não sei se é efeito da ocitocina ou fruto da nossa capacidade extrema de adaptação, mas comecei a me identificar com essa minha nova vida. Foi além de me conformar. Via todo o sentido em ser mãe, fazer massagem na bebê antes do banho, pesquisar uma música gostosa para ninar, arrumar as roupas, acompanhar e facilitar o desenvolvimento com brincadeiras e outros estímulos. Com o passar dos meses, quando ganhamos a liberdade de sair de casa (esse deve ter sido um dos resquícios da personalidade da falecida Viviane), aí sim a vida ficou mais colorida. Era gostoso andar pelo bairro pela manhã, conversar com as mesmas pessoas sobre assuntos corriqueiros e ir à feira toda terça-feira para ouvir a mulher da banca de frutas exclamar “nossa… como ela está crescendo”. Descobri que a programação de atividades voltadas para bebês é muito rica e nossas agendas passaram a ficar lotadas: musicalização, cinema, teatro, livrarias, parquinhos… Mas também adorava a simplicidade de ficar em casa, fazendo brincadeiras na frente do espelho e bagunça na cama. A prisão não existia e conseguia ser feliz sem escrever projetos de pesquisa ou planejando novas intervenções em nutrição.
Enfim, sem me dar conta e sem ter o menor tempo para pensar sobre o que estava acontecendo, tinha assumido a função de mãe como prioridade absoluta e, agora, qualquer outra coisa teria que se mostrar muito sedutora para que eu conseguisse incluir na minha vida.Porém, meu trabalho continuava existindo e eu tinha a lembrança de que eu gostava muito dele antes da Manu. Com a licença caminhando para o fim, senti que era prudente ir me preparando para voltar à antiga vida, dado que, parar de trabalhar naquela momento, não era opção, apesar do desejo enorme de continuar em tempo integral com a Manu. E foi difícil! Como foi difícil! Era uma sensação de que a minha vida era um quebra-cabeça e eu não conseguia mais encaixar algumas peças. Era a sensação de que eu me realizava totalmente por ser mãe em tempo integral. Como pode a gente querer desistir de tantas conquistas por causa de um filho? Se não fosse aquela lembrança que eu tinha sobre o meu prazer por trabalhar (aliada a uma necessidade financeira), teria desistido fácil, Hoje, entendo porque tantas saem do trabalho. Mas confesso que fiquei também com medo de me perder dentro da maternidade e me tornar aquela mãe que se nutre da vida do filho, sem ter mais nenhum outro papel. Tinha medo dela crescer, ganhar independência e eu ficar em casa, sem saber como retomar.
Então, com sete meses, a Manu realmente iria para a creche. Era a creche do meu trabalho e ela ficaria bem próxima a mim e eu poderia amamentá-la. Mas as dúvidas e inseguranças assombravam. Fora as questões concretas que teríamos realmente pela frente, cultivava angústias de não conhecer como iriam educar minha filha, iriam induzi-la e usar chupeta ou mamadeira? Eu seria respeitada quanto à amamentação (até aquela idade, Manu mamava inúmeras vezes sem rotina nenhuma)? Teriam paciência com a introdução de alimentos? Respeitariam o ritmo dela? E como iria dormir? A simples imaginação que ela poderia chorar sem entender onde estava (e que eu voltaria logo), era dolorosa demais.
Posterguei ao máximo a entrada dela na creche. Busquei me cercar de informações sobre a rotina, ouvir outros pais, me fortalecer das minhas decisões para levá-la de coração aberto. Acredito que os bebês têm sensibilidade capaz de perceber uma insegurança nossa, mesmo não verbalizada. Então, não poderia encarar que estava praticando um abandono dela em um lugar estranho. Encarei como sendo um lugar que seria meu parceiro na educação da minha filha. Procurei proporcionar os momentos mais alegres para nós duas dias antes de irmos ao trabalho/creche.
Então, chegou o grande dia que, na verdade, foi bem tranquilo porque fiquei o tempo todo com ela e só por umas duas horas. A Manu teria contato direto com duas educadoras (que hoje agradeço de coração a Cica e a Tami por todo o trabalho que fizeram em 2014 com ela) que respeitaram o espaço da Manu, que normalmente é carinhosa, mas não é adepta a contatos físicos com pessoas novas. No segundo dia, eu também permaneci na creche e só me afastava um pouco para deixá-la interagir com os outros bebês. Foi tranquilo para ela, mas, para mim, vinha um nó na garganta. Já no terceiro dia, veio o choro. Não dela, mas meu. Eu já precisava trabalhar e não me contive na despedida. Até hoje, nunca vi mais nenhuma outra mãe ou pai chorando na creche e ainda me questiono porque eu faço essas cenas.
Assim foram os primeiros dias e foi uma adaptação de todos nós. Manu chorava a maioria das vezes na despedida, mas as educadoras conseguiam confortá-la. Eu amamentava duas vezes ao longo do dia e ela comia bem… No começo, me espantei por vê-la muito quietinha em um carrinho ou bebê conforto, até dormindo. A creche percebeu que eu estava incomodada e também me acolheu, explicando que o carrinho era uma forma dela se proteger e sentir segurança (não era colocada lá a contragosto) e o sono era decorrente da energia maior que precisava gastar para se adaptar. Passadas algumas semanas, realmente, ela foi conquistando o seu espaço e esse cenário mudou.
E eu voltei ao meu posto. Nem de longe sou a mesma nutricionista. E nem quero ser. Passar do horário para buscá-la? Não, obrigada. Mas cheguei atrasada algumas vezes no trabalho porque ela precisava de um tempinho a mais para se despedir. Abri mão, outras vezes, de alguma atividade que pudesse impactar negativamente na nossa rotina. Sem arrependimento. Olho esses primeiros dois anos como um verdadeiro investimento no desenvolvimento dela que compensará no futuro (aliás, já recompensa). Oportunidades continuarão aparecendo e continuo tendo paixão pela minha profissão que, inclusive, vem sendo remodelada pela vivência materna, na tentativa de aproximar cada vez mais das demandas que a Manu traz, os meus questionamentos e reflexões sobre maternidade com a possibilidade de apoiar outras tantas mães e bebês.
Para as mães que estão passando (ou vão passar) pela situação de volta ao trabalho, fica aqui minha compreensão sobre a dificuldade de pensar nesse afastamento, mas, acreditem, os bebês são capazes de mudar de ambiente e ficarem bem sem nós. E, mesmo que tenhamos que dividir o cuidado com outros, o amor que eles têm por nós é único e poder curti-los depois de um longo dia cansativo vale mais do que uma massagem! Claro que precisamos nos organizar e muito para conseguir aproveitar bem esse tempo que ficou mais escasso, mas isso é assunto para um próximo post…
[…] cheguei a me desesperar tamanha era a intensidade e duração das mamadas. Aí, estabilizou. Veio o fim da licença e voltou a demandar muito. Voltei a me desesperar. Passou. E vieram os dentes e novas dores. Passou também! Da forma como […]