Ainda se escreve pouco sobre a experiência feminina com a perda do seu filho antes do nascimento: o aborto. Aqui mesmo já fiz o meu relato pessoal. Mas, depois de tanto tempo, comecei a me dar conta que não falamos sobre o que acontece quando essa mulher volta a engravidar. Sonho reestabelecido e vida nova? Talvez, não! Pode ser um momento de extrema complexidade o qual vou contar um pouco agora.
Quando abortei, segundo a equipe que me atendeu, tratava-se de um episódio “normal”, daqueles espetados no primeiro trimestre e que não me demandaria grandes preocupações para uma nova gestação. O médico somente me orientou a esperar dois meses para uma nova tentativa, o que foi extremamente fácil pois estava vivendo o luto naquele momento.
Mesmo tendo o rótulo de normalidade, queria achar qualquer resposta para o que tinha acontecido comigo. Fiz um convênio, pois toda minha primeira experiência de gestação foi no Hospital Universitário da USP, cujo atendimento certamente é superior à maioria dos convênios, mas não me sentia segura naquele momento sem poder ter acesso a outros hospitais e médicos e exames com rapidez. Então, marquei consulta com um ginecologista que parecia ter muita experiência com atendimentos, que me explicou as mesmas informações que já tinha tido mas me pediu uma série de exames para que eu pudesse ficar mais tranquila.
Na verdade, quando fui nessa consulta, já estava grávida novamente, mas não sabia. Ou sabia, pois estava com os mesmos sintomas de sono, “leveza” e vontade de urinar tidos na primeira vez, mas, como estava voltando de viagem, achei que o sono e a leveza eram decorrência do fuso horário e do fim das férias. De qualquer forma, o médico me deu um teste caso eu precisasse, mesmo tentando me alertar que talvez a gravidez não viesse tão rápido.
Mas veio e nem precisava de teste. Primeiro, sem levantar suspeitas com ninguém, fiz o de farmácia. Positivo! Como o sentimento foi diferente da primeira vez! Foi mais livre dos medos do “será que é isso mesmo que eu queria”. Foi menos explosivo, mas emocionante! Mandei a foto do resultado para o Adilson e imagino que ele tenha sentido mais medo do que alegria.
No dia seguinte, tive a confirmação pelo Beta HCG e decidimos não contar para ninguém até o final do primeiro trimestre. NINGUÉM. Não queria deixar mais ninguém alegre e triste. Nem queria ser mal consolada caso acontecesse mais um aborto. E aí o medo começou a ganhar corpo e superar qualquer felicidade.
Peguei os resultados dos outros exames e tinha um que estava positivo, sendo que o esperado seria negativo. Um tal de FAN, fator antinuclear. Fui procurar na internet e meu mundo caiu. Coisas horríveis estavam escritas sobre esse resultado e, naquele momento, eu concluí que a gravidez possivelmente não iria adiante. Lendo mais, vi que havia uma possibilidade de desfechos, mas eu só conseguia pensar no risco de um novo aborto.
Fui atendida por uma outra médica, especialista em gestação de risco, que tentou me tranquilizar mas, ao mesmo tempo, se mantinha cautelosa: repetimos os exames, me prescreveu algumas condutas e orientou guardar a gestação entre nós por enquanto.
As semanas demoravam a passar. Enquanto o enjoo aparecia, me mostrando dolorosamente que eu estava grávida, eu também tinha a sensação de estar abortando diversas vezes. Tive muitas cólicas horríveis que me fizeram ir ao PS achando que tudo estava perdido. Fiz inúmeras ultrassonografias só para poder voltar para casa aliviada (por poucos dias) ao ver que meu bebê estava ali com seus batimentos cardíacos.
Na primeira gravidez, abortei com 8 semanas. Então, passar desse tempo e calada foi angustiante. Pior ainda era não me deixar amar quem estava ali no meu útero. Simplesmente, não me permitia conversar com meu bebê (ou, pior, quando conversava era para pedir desculpas por não conseguir lhe dar carinho) ou fazer qualquer projeção para o futuro, como pensar no seu quarto e nas suas roupas. Pensar em parto era, então, totalmente distante das minhas prioridades. Estava vivendo um dia de cada vez.
As semanas foram passando. Um médico reumatologista me libertou daquele pesadelo, explicando que eu era uma grávida qualquer. Nunca foi tão bom não ser especial. Aos poucos, retomei minha paz para, então, poder viver as dores normais de uma gravidez comum. Acho que a minha Manu nasceu bem antes do fim da gestação. Ela nasceu quando me livrei desse medo, praticamente ao mesmo tempo que descobri que seria ELA. Depois daquele dia, não tive mais dúvidas de que eu teria uma filha.
[…] descrevi aqui que tivemos um início de gravidez conturbado. Passados os primeiros três meses, a gestação […]