Anne Rammi é uma das grandes defensoras da maternidade e da mulher. Ativista e mãe de 3 filhos, é autora do Mamatraca, que é um polo de conteúdo independente, posicionado e opinativo.
Anne está no III Encontro para a Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno do Centro de Saúde Escola Geraldo de Paula Souza, falando sobre “A indústria de alimentos nas mídias sociais e internet” e hoje ela me deu uma entrevista que traz assuntos bastante importantes, como diretos e publicidade infantil.
Viviane: Na sua página, você discute temas relacionados à maternidade que vão muito além de “como dar banho em um recém-nascido”. O que você considera importante para ser discutido quando o assunto é maternidade?
Anne: Quanto mais velhos meus filhos vão ficando, mais eu vou compreendendo que discutir a maternidade passa por discutir as condições da mulher em suas mais variadas configurações. Os direitos reprodutivos, a maternidade compulsória, a violência obstétrica, a publicidade infantil, o direito à escola pública de qualidade, entre tantas outras coisas.
Tento pensar que a melhor abordagem é desconstruir a ideia de um “papel de mãe” que se resume ao amor e ao cuidado. Isso é uma parte, mas não é ser mãe. Ter filhos coloca a mulher em um estado de ainda maior vulnerabilidade pessoal e social (e quanto mais escura a cor da pele, e quanto menos rica essa mulher), aumentando as dificuldades cotidianas e para a vida toda. Portanto, discutir maternidade também passa por reconhecer que não existe um “ser mãe” universal, e que mulheres com filhos terão condições diferentes e necessidades diferentes de acordo com seu lugar no mundo. De modo que quanto mais conscientes daquilo que nos prejudica, dos direitos que não temos, do descaso social que passamos – coletiva e individualmente – mais empoderadas estaremos para reinvidicar e lutar por esse espaço de respeito e cidadania para quem é mulher e mãe.
Viviane: O tema do aleitamento materno é tratado pela mídia e pela sociedade com superficialidade e um certo romantismo que não combina com a realidade. Esses dois elementos tendem a levar ao fracasso da amamentação. Como você vê que uma mulher, de fato, deveria ser apoiada para amamentar?
Anne: A mulher que vai amamentar precisa de um contexto favorável que envolva o pleno respeito a suas escolhas e direitos na hora do parto, profissionais de saúde especializados e gabaritados, sem conflitos de interesse com as indústrias, sociedade respeitosa que não agrida, humilhe ou desempodere essa mãe, e indivíduos (mãe, marido) igualmente comprometidos com esse desejo. Ou seja, precisamos de políticas públicas eficientes que acabem com os inimigos da amamentação: o machismo, a indústria de substitutos do leite materno, a má formação dos profissionais de saúde para o tema, a mídia hegemônica comprometida com o desmame.
Viviane: A indústria de alimentos destinados ao público infantil tende a se colocar como grande apoiadora da maternidade, da infância e, claro, da amamentação nos seus materiais de divulgação e eventos. Como isso pode ser nocivo à defesa da amamentação?
Anne: É nocivo porque é mentira. Indústria nenhuma está comprometida com amamentação, porque amamentar é gratuito. E indústria está comprometida com dinheiro. Indústria apoiar a amamentação é o que eu chamo de milkwashing – uma analogia ao greenwashing da esfera ambiental – quando por exemplo uma indústria super poluente cria uma campanha de marketing para melhorar a percepção da marca para questões ambientais, mas continua despejando toneladas de lixo no mundo. Como a população não tem a formação crítica para leitura da mídia, a publicidade usa esse artifício para enganar. A imagem daquela indústria melhora, mas de fato, benefício nenhum ocorre para a “causa” que ela defende. Indústria nenhuma apoia a amamentação.
Viviane: Temos uma legislação que já inibe um marketing mais agressivo por parte da indústria de alimentos, no que se refere ao público infantil e, especialmente, aos lactentes. Que estratégias a indústria vem utilizando para não se tornar “fora da lei”, mas manter seu marketing?
Anne: A indústria tem muito dinheiro em seus quartéis para distribuir entre marketeiros e advogados que em conjunto trabalham com as leis debaixo do braço, e sabem encontrar suas brechas. Se a lei não permite por exemplo, que se façam campanhas televisivas do leite artificial, vamos para a internet. Se aparece alguma denúncia, vamos disfarçar essa propaganda e comprar umas opiniões disfarçadas de resenha. Se isso sai de moda, vamos fazer eventos com celebridades e chamar as revistas para cobrir. E assim vão refinando as estratégias de publicidade, sempre com muito apoio do profissional de saúde sem comprometimento com a amamentação e é claro, aproveitando o desconhecimento da população e falta de apoio social generalizado para a mulher que é mãe.
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