Eu faço parte de uma minoria que questionou o fato do menino ter dado flores à coleguinha após tê-la empurrado. Parece estranha essa opinião contrária vinda de alguém que é contra a violência de gêneros. Então, que venham meus argumentos! Mas desde já adianto que esse é um texto que muitos classificam com o famoso “mimimi“. Porém, se você acha bobeira problematizar a partir dessa história que ganhou audiência até na rede Globo, não prossiga! Ah… E que fique claro que a ideia é ampliar a discussão para além da mãe ter feito certo ou errado ou, como li, “melhor isso do que nada”. A ideia é discutir como criamos nossos filhos.
Levanto dois pontos que reforçam essa minha discordância: o castigo e o caráter machista.
Começo pelo castigo. Temos uma criança de quatro anos que empurrou uma colega na fila. Pelas declarações que li da própria mãe (não os vi na Globo), houve muita conversa e castigo em casa e, depois, as flores. Na escola, também houve conversa e foi obrigado a pedir desculpas. Empurrar não é legal de ser feito e a criança precisa entender isso. E, normalmente, é usada a estratégia do castigo. Que tipo de mensagem estamos trazendo a uma criança pré-escolar. Dependendo do castigo, a criança pode sentir medo/receio de fazer isso novamente. Aí, queremos que sejam educados em função do medo? Ou, quando o castigo é ficar sentado em um cantinho “pensando”, a criança vai pensar em quê? Que tal pensar com ela, sob a perspectiva de uma criança e não na lógica do adulto? Na verdade, nós adultos também funcionamos assim. Muito do que fazemos só sai “direitinho” porque, caso contrário, somos punidos. Precisamos de multa para incorporar o cinto de segurança dentro do automóvel, algo que é uma proteção imediata à nossa própria vida (mas, atrás, que é mais difícil do guarda ver, quantos deixam de usar?). Com essa opção de educação, estamos mantendo essa a lógica para os nossos filhos. Talvez, seja a forma mais simples e rápida de se inibir que ele tenha essa mesma atitude de empurrar outra vez. Quantos de nós deixaríamos aos poucos de usar cinto caso não existisse mais punição? E o que precisaria ser feito, em vez da multa, para incorporarmos essa atitude com significado? Isso vale para os nossos filhos. Entender que empurrar machuca e que deixou triste a outra criança pode ser um bom caminho. Talvez leve mais tempo para que a criança incorpore isso de fato (ou, talvez, não porque a maioria das crianças se empurram e imagino que a maioria de nós não deixa isso passar em branco sem um bom castigo), mas ela vai entender que essa mas também outras atitudes machucam.
Pedir desculpas também costuma ser automatizado nas crianças desde cedo. Elas repetem isso, muitas vezes, sem lógica. Gosto de pensar, de novo, na perspectiva do significado. Se isso já é uma apropriação da criança, que bom que ela se desculpe! Agora, ser forçado a pedir desculpas ou obrigado a dar abraços ou qualquer contato físico sem que ela queira fazer isso e, especialmente, sem entender não deve auxiliar no processo de arrependimento. Pode, às vezes, acontecer o contrário: aprendo que, falando desculpas, eu posso fazer errado de novo e resolver fácil.
Agora, o conteúdo machista da história. Quem se apaixonou pela foto do menino (ele é lindo), achou uma atitude em oposição ao machismo. Afinal, desde cedo, ele está aprendendo que não pode agredir mulher, certo? É ótimo que ele aprenda que não se agride mulher. E nem homem. E nem criança! Ninguém! Nessa idade, dificilmente haverá uma agressão em função do gênero (e, se houver, isso não nasceu com a criança, mas é em função do meio no qual está inserida). O garoto empurraria qualquer colega que estivesse à sua frente. Isso faz parte do desenvolvimento infantil. Da mesma forma que eles não sabiam dormir à noite toda, comiam com as mãos e depois manejam talheres, falavam gritando e depois mudam o tom de voz, as crianças buscam as formas delas para resolver uma situação (mesmo que seja empurrando quem está à frente para a fila andar ou tomando do outro o brinquedo que não quiseram te dar). Não é a forma correta de se resolver, pois deixou a outra criança triste e machucada. Cabe a nós, mostramos que se pode ter paciência para a fila andar, que se pode pedir licença… que existem outros meios para se resolver isso e muitas outras coisas. Dá trabalho? Muito! Mas faz parte da responsabilidade dos adultos (e aí não restrinjo aos pais) educar para o futuro.
Saiba que a agressão em função do gênero só começaria a acontecer mais tarde. Como ensinamos aos nossos filhos sobre igualdade de gêneros? Não diferenciando os gêneros desde crianças por meio de estratégias, como não diferenciar brincadeiras em função do sexo, não usar frases do tipo “cuidado para não machucá-la porque ela é delicada”, não comprando somente roupas rosas de princesa às filhas, enquanto os filhos são os super-herois. Nas escolas, não fazendo brincadeiras de meninos contra meninas ou filas separadas. Enfim, em dezenas de atitudes pequenas, mas diárias. Ah… E também tendo atitudes no “meio adulto” que exemplifiquem a essa criança que você acredita nisso de verdade.
Se ele tivesse empurrado um outro menino, o que seria o ideal para ser feito? Se você concorda que dar as flores ainda seria uma atitude aceitável, aí até te apoio. Mas, se você acha estranho um menino de 4 anos receber flores, enquanto é bonito uma menina da mesma idade ganhar um vasinho, na verdade, você vai estar reforçando a desigualdade entre os gêneros em uma idade tão precoce. Aliás, quem costuma dar flores a qualquer criança para agradá-la? Vou a um aniversário e levo flores para a amiguinha da Manu? Acho que ela não iria ficar muito feli! Flores são um símbolo bem tradicional de presente à mulher adulta. É um clássico usado como pedido de desculpas que amolece muita gente. Quantas mulheres agredidas, física ou psicologicamente, já receberam flores e perdoaram? É muito importante ter a clareza dos símbolos existentes ao reforçar essas atitudes para os nossos filhos, por mais que elas pareçam inocentes e cheias das boas intenções.
Você até concorda com o que falei mas acha de o entorno, como a escola, faz o contrário? Então sugiro que essa discussão seja ampliada também nesses espaços, em reuniões das famílias com a instituição e na própria educação continuada dos educadores. Pode parecer “mimimi”, mas é uma oportunidade para o diálogo, algo que é sempre libertador.