Por Viviane Laudelino Vieira
Há 3 anos atrás, eu estava vivendo, certamente, o momento mais difícil que já tinha enfrentado. Estava no centro obstétrico do Hospital Universitário, mas não era para parir, mas sim para fazer a curetagem de um aborto.Estava grávida de 9 semanas e numa manhã de sábado, acordei para fazer xixi e, ao me secar, percebi que o papel saiu com uma coloração rosada. Isso já havia acontecido na manhã anterior, me levando ao pronto-atendimento do hospital, mas a plantonista, no momento, havia me falado que não era nada. Fomos novamente ao hospital e, dessa vez, a médica optou por fazer um ultra-som. Até hoje me recordo do silêncio que invadiu a sala quando ela tentou escutar os batimentos. A cena deve ter durado segundos, mas parecia uma eternidade que começou com uma incompreensão do que significava não ouvir nada e terminou com uma dor arrebatadora. O chão sumiu repentinamente.
O Adilson estava do lado de fora e quando sai, não sei se falei alguma coisa, mas a minha expressão já deixava claro que o nosso sonho inesperado tinha acabado de terminar. Não estávamos tentando engravidar. Somente tínhamos parado de evitar, depois de tanto tempo juntos e com uma fase mais tranquila depois do meu doutorado. Talvez, por isso, tenhamos engravidado tão rápido. Tal como aconteceu com a Manu, instintivamente, eu já me sentia grávida mesmo antes do atraso menstrual. E quando o teste veio positivo, foi o maior susto misturado com a maior alegria que tive e, desde então, me sentia plena.
Mas naquela manhã, descobri que não seria mãe naquele momento. A médica explicou rapidamente as possibilidades de conduta e, com a emoção à flor da pele e sem nenhum conhecimento sobre aborto, optei pela curetagem. Se já não estava grávida, não queria carregar essa sensação por dias ou, até, semanas.
Pelo protocolo do hospital, não poderia ter acompanhante. Fiquei esperando por mais de doze horas por uma dilatação que não acontecia. Desejava sentir logo a dor, mas ela não acontecia. E tinha que esperar em um quarto com uma gestante em trabalho de parto e ouvindo bebês nascendo.
De noite, me levaram ao centro cirúrgico e me sedaram. Lembro de ter ouvido o choro de mais um bebê nascendo, lembro de ter chorado e dormi. Quando acordei, tudo tinha acabado. Até que eu lembrasse o que estava acontecendo, tive uma sensação boa de descanso. Segundos depois, veio o desespero de ter voltado ao mundo real. A enfermeira que, a princípio, para me consolar, ensaiou um “não fique assim”, logo voltou atrás e falou para eu botar para fora tudo que eu precisasse.
Não foi fácil voltar para casa. A recuperação física foi ótima, mas lidar com o aborto não é nada simples.
É um assunto velado… Ninguém discute. A gente quase não sabe quem já abortou. Se a média é de 20% de abortos, muito mais mulheres sofrem caladas. Depois do meu, que foi muito compartilhado entre as pessoas, até fiquei sabendo de outros casos, mas é muito triste ver como nós temos a tendência de reduzir a complexidade desse momento e a dor da mulher com comentários como “foi melhor assim” ou “foi Deus quem quis” ou “logo você tem outro”. Quem realmente pode saber se isso foi o melhor naquele momento em que se tem uma pessoa desabando? Por mais que, futuramente, seja até melhor, naquele momento, não é consolo nenhum ouvir isso. E nem colocar a responsabilidade em Deus… E também não nos interessa saber que vamos engravidar no futuro. Ninguém fala para uma mãe que perde o filho que ela poderá ter outros… Cada um é único! Não é um sapato que ficou velho, joga-se fora e compra-se outro. Então, não tente consolar com palavras vazias, mesmo que cheias de boas intenções. Pergunte se precisa de ajuda, se quer conversar… Ofereça um bolo de chocolate!
Abortar é um luto sem que haja morto. Se não nasceu, não pode ter morrido. Mas eu já tinha ouvido seu coração, visto seu contorno e conversado muito com ele. Ele existia. Precisei viver um dia de cada vez. Levou mais de um mês para voltar a ser, mais ou menos, igual ao que eu era antes. E a gente busca medidas para superar: voltei a trabalhar compulsivamente, planejei uma viagem para fora (que tinha desistido ao saber da gravidez)… Fui me ocupando.
Hoje, ainda lembro com muita tristeza do meu bebê que nunca nasceu, mas ele teve sua missão. Dois meses depois da curetagem, estava engravidando novamente, desta vez, da Manu. Talvez se ele não tivesse acontecido na minha vida, a Manu também não teria acontecido. Ele cumpriu uma missão muito breve mas com enorme importância. Também me ensinou a lidar melhor com aquelas que passam por isso. Com certeza, não saberia até hoje.
Quando minha menstruação veio muito esquisita, e fui no médico descobri que era aborto de poucas semanas. Eu nem tive tempo de saber que estava grávida. Uma amiga me olhou sem saber o que fazer e eu disse me abraça e me traz chocolate. No fundo acho que são as únicas coisas que podem ser feitas
Que muitos aprendam como acolher!
Obrigada por compartilhar sua vivência também conosco!
[…] aqui uma experiência de perda gestacional. Compartilhe a […]
[…] escreve pouco sobre a experiência feminina com a perda do seu filho antes do nascimento: o aborto. Aqui mesmo já fiz o meu relato pessoal. Mas, depois de tanto tempo, comecei a me dar conta que não falamos sobre o que acontece quando […]