Nos últimos dias, emergiu uma grande reação das pessoas, especialmente mães, com relação a um “espaço” (dado que ele não se intitula restaurante) que vende o serviço de brunch, mas proíbe a entrada de crianças e adolescentes (até 14 anos), bem como animais sob diversas alegações: não ser um espaço adaptado a esse público e que ofereceria riscos a ele (escadas sem corrimão e ambientes sem proteção), mas também para preservar o momento de introspecção e de “sossego” dos seus clientes.
Isso tem gerado uma discussão imensa, que envolve direitos sociais das crianças, direito do proprietário do negócio de selecionar seu público e o direito da sociedade de nem sempre querer crianças/adolescentes por perto. E aí? Qual prevalece?
Mais do que concluir quem está protegido pela lei, tive um impacto ao ver evidenciado o quanto é normal para uma parte das pessoas mostrar rejeição por crianças e como estamos condicionados a buscar situações adaptadas ao público infantil.
Começo falando dessa necessidade de adaptações que temos no mercado, que foi uma das justificativas para a proibição da entrada das crianças. Essa adaptação, atualmente, vai desde o menu infantil presente em diversos restaurantes, no quarto da criança repleto de brinquedos coloridos e que se propõem a estimular seu desenvolvimento, na festa infantil cheia de recreações para os convidados se entreterem até os espaços de jogos e brinquedos em shopping extremamente alucinantes e barulhentos… Até que ponto a criança não pode compartilhar de um ambiente “normal”, desprovido de preparativos para seduzi-la? Será que, em vez de ajudar, não estamos fazendo o contrário?
Pensando no menu infantil, que é da minha área de trabalho, exceto pelo fato de ser uma porção menor, qual a necessidade de existir um prato de criança? Geralmente ele é muito semelhante nos restaurantes e lanchonetes: tem batata frita, hambúrguer, empanados, macarrão com molho… Afinal, se a partir de um ano a criança já está apta a compartilhar a refeição da família, não tem necessidade de existir “comida infantil” e “comida do adulto”.
Do ponto de vista das brincadeiras, proponho outro raciocínio. As crianças brincam com o mundo em torno dela: com as caixas de papelão em que carregamos as compras, com a revista que não vamos mais ler, com a chuva (que não deixamos tomar), com a cadeira (que não deixamos subir)… Claro que brinquedos são muito legais, mas não precisaríamos subestimar a capacidade das nossas crianças de criar. Quem assistiu “Território do Brincar”, pode ver isso bem ilustrado! Excesso de proteção e de direcionamento mina aquilo que a criança tem de mais característico: a sua curiosidade. Claro que sem tablet, sem vídeo game e afins, a criança demandará mais do adulto e, certamente, ficará menos parada (quase hipnotizada), mas faz parte esse aprendizado mútuo de como os pais relacionam-se com seus filhos.
Aí entro no segundo ponto que trouxe: o quanto que crianças sendo crianças podem ser pouco toleradas. Tento entender porque estamos assim. Cada vez menos os adultos de hoje convivem com crianças. Aliás, cada vez menos convivemos de verdade uns com os outros. Nossas famílias são pequenas e, mesmo assim, dentro de uma casa, as pessoas tendem a ficar isoladas. Além disso, somos uma sociedade muito voltada às nossas próprias necessidades e vontades. Temos um limite muito curto para o diferente, para quem invade o nosso espaço. Há alguns meses, lembro do lançamento de um desenho onde houve uma série de comentários discriminatórios relacionados a crianças nas salas de cinema. Estamos falando de um desenho animado (sem restrição de faixa etária) e pessoas sugerindo que famílias com crianças frequentassem em outros horários. Não imagino isso acontecendo há poucas décadas atrás. Crianças fazem barulho, crianças choram em uma frequência e intensidade muito maior do que a nossa, crianças são exploradoras. E já aviso que todas essas características não dependem somente dos pais que não dão limites ou não educam direito. É a característica desse ser em desenvolvimento. E como ele aprende a não gritar no meio de uma sala em silêncio ou a não se jogar no chão esbravejando por não ter ganho um sorvete? Vivendo em sociedade. Em casa, na escola, mas também no mundo afora. Em outras culturas, as famílias têm suas crianças em muito mais contextos sociais do que o nosso. Certamente os pais são as figuras mais importantes e primárias na educação da criança, mas parafraseando “O Começo da Vida”, uma criança é responsabilidade de todos que a cercam, pois quando suportamos o seu choro (não… não é gostoso mesmo) ou o seu barulho (sim… às vezes queremos silêncio), estamos contribuindo não somente com o desenvolvimento dela, mas com a sociedade como um todo. Será que não somos hoje intolerantes porque também não fomos/somos tolerados? Isso significa que devo ficar cuidando do filho de alguém que sequer conheço? Não, necessariamente. Basta ter empatia. Nesse momento, você também está sendo solidário com a família, pois saiba que, para a maioria delas, é um grande desafio sair de casa (além de termos medo de incomodar), mas ter vida social não é luxo restrito a uma parcela das pessoas.
Mas e a tal casa que serve brunch? Tem que ser obrigada a receber crianças? Não sei. Provavelmente, depois de tamanha discussão, não devem existir famílias desejando frequentar lá com seus filhos. Só sei que uma estratégia de comunicação que ajude a caracterizar melhor seu público de interesse, certamente, já afastaria as famílias com crianças (caso realmente o ambiente ofereça perigos a elas) sem a necessidade da proibição e de toda exposição que ocorreu.