A Mulher, a Maternidade e a Criança

A crise dos dois anos ou a fase dos sapatos laranjas com calça verde limão 

Por Viviane Laudelino Vieira

Hoje, estávamos os três em um jantar como outro qualquer. Aliás, estava uma noite muito boa. Manu limpou o segundo prato, estava comendo melancia e cantando. Conforme ela estava acabando, fui levar os pratos à pia e ela resmungou pedindo para sair da cadeira. Achei aceitável porque ela já estava à mesa há um bom tempo, mas, quando fui tirar, ela reclamou mais alto falando que queria ficar. Meio automaticamente, deixei de volta na cadeira e voltei a arrumar a cozinha. A reclamação, então, virou um choro irritado que ora me pedia suco, ora melancia, aí era o mamá… e nada que a satisfazia e, pelo contrário, os decibeis do choro só aumentavam. Quem é mãe ou pai de alguém na faixa dos dois anos, deve já ter visto cena semelhante… Diversas vezes.
É o que hoje chamamos de terrible two. Chamam também de adolescência dos bebês. É uma fase que dura em torno de um ano e caracteriza-se por um bebê que, antes dócil, fica irritado sem motivo aparente e que apresenta choro desproporcional a uma pequena frustração. É aquela criança da clássica e temida cena de se jogar ao chão em pleno shopping, se debatendo e chorando até perder o fôlego. São os confrontos. As teimosias sem fim.

Talvez a cena abaixo seja o mais famoso terrible two que aconteceu em plena Casa Branca.

Imagem retirada da internet

Imagem retirada da internet

Nós, pais, temos como primeiro reflexo, tentar manter nossa autoridade. Afinal, se não coloco limites enquanto é tão pequeno, como vou controlá-lo quando crescer? E é assumidamente irritante lidar com alguém numa situação em que esse sai de si à toa. Brigar porque quer usar casaco no verão escaldante? Esse bebê não tem poder de decidir nada mesmo!
Essa é a situação sob a ótica do adulto. Com base nessas posturas, normalmente não chegamos muito longe. Vira uma guerra: ou o bebê perde depois de chorar à exaustão ou o adulto acaba cedendo contrariado por não aguentar mais tanto barulho. E sob a ótica do bebê? O que acontece com ele para passar a ser tão temperamental?
Também não é raro que sejam chamados de tiranos e de manipuladores. Eu prefiro seguir a linha de quem acredita que minha filha não fica elaborando planos maquiavélicos para me tirar do sério enquanto ela finge brincar com o seu quebra-cabeça. Imagino que, se ela esbraveja ou chora, é porque tem algum sofrimento ou incomodo envolvido, porém, esses sentimentos são diferentes dos nossos. Na condição de adultos, nossas dores, em geral, têm nome, endereço, rosto. Sabemos porque sofremos. Já o bebê, nessa fase, está saindo de uma condição de total dependência para outra em que ele é capaz de andar, comunicar-se, comer… Escolher! Já começa a ser parte da sociedade. E essa independência gera estranheza. Ele não sabe porque tem que tomar banho. E protesta. Mas também não sabe porque não tem que tomar banho. Ele só está buscando se conhecer nesse novo espaço e entender os seus limites.
É aí que entramos. Deixar um bebê enfiar os dedos na tomada para que ele não seja contrariado é, sem dúvidas, imprudente. Deixá-lo quebrar os enfeites de vidro da sala por auto-conhecimento também não é legal. Mas concordar que ele use um sapato laranja, mesmo com uma roupa verde limão não tem problemas. Tem? Ele terá a vida toda para se adequar aos nossos padrões. Mas, honestamente, muitas vezes me pego tentando insistir e impor o meu desejo pelo sapato bege.
Porém, aqui em casa, a expectativa para o terrible two foi bem pior do que realmente temos vivido. Às vezes, vejo até uma certa graça tanta revolta para se secar. Ou de quando vira uma fera com o pai e, por meio de uma amnésia, depois de minutos, vai até ele dar um beijo de boa noite. Quando o barulho passa, vejo com felicidade o fato dela estar se desenvolvendo… Todos esses sinais que a Manu nos dá é uma demonstração de que está tudo bem.
Dá vontade de sair correndo e fingir que ela não está esguelando? Dá! Dá vontade de colocar de castigo? Com certeza! Mas, tento manter o equilíbrio. Agora, até tentamos prever sinais precoces de fúria para contornar a situação. Se vejo que justamente hoje não quer tomar banho, que tal escolhermos uma boneca para dar banho no chuveiro? Se ela já sinalizou que não quer por o sapato que separei, escolho alguns pares para ela tentar simpatizar e tento explicar que, para sair, todos precisamos usar sapatos. E assim vamos…
Óbvio que, mesmo assim, não sou a tolerante  ou a compreensiva exemplar. Quando é algo que não existe negociação, deixo bem claro que, independente da sua braveza, temos que fazer naquele momento e lhe explico o motivo. Falo firme e vou contando tudo que precisamos fazer. Se o choro realmente vem, acolho. Também é importante que os pais, ou quaisquer outros que sejam os cuidadores, ajam em sintonia. Não adianta um ser inflexível e o outro ser o “bonzinho”. Isso também é bom porque, quando um está já se esgotando, o outro entra em cena. Normalmente, percebo que a maioria dos pedidos que ela me faz por meio dessas crises do terrible two são negociáveis e, não é porque negociamos, que ela tem virado um monstro. Pelo contrário. Parece que seu limite para explodir vai aumentando aos poucos. Enquanto isso, continuamos com o sapato laranja e calça verde limão

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