A Mulher, a Maternidade e a Criança

Enquanto há vida, há esperança (parte II): relato de uma mãe de prematuros extremos

No início da semana, publicamos a primeira parte da história de maternidade da Vanessa. Ela teve um parto de gêmeos com 29 semanas. E, então, começou uma nova batalha…

Lembro apenas de alguns flashes dos primeiros dias que estive na UTI neonatal, mas a sensação de medo e impotência é inesquecível. Entrar naquela sala pela primeira vez foi uma das coisas mais difíceis que já fiz. Tudo apitava a todo momento, monitores piscando, técnicas, enfermeiras e fisioterapeutas indo pra lá e pra cá. Lembro que eu e meu marido chorávamos muito, era incontrolável. Acho que foi naquele momento que “caiu a ficha” de quão difícil seria aquele período. Vê-los ali, entubados, cheios de fios, com acesso, tão pequenos e magros… Quanto tempo ficariam ali? “Não tem como prever”. Parecia que seria impossível lidar com tudo aquilo. E era só o início de uma longa e exaustiva rotina que viveríamos.

O primeiro que vi foi Martin. Como podia ser tão frágil? Mas me espantei mesmo ao ver o tamanho e a desnutrição de Nina. Olhei para as incubadoras ao redor buscando por bebês daquele tamanho ou menores, na tentativa de me convencer de que aquilo era normal, que acontecia todo dia e que eles cresciam normalmente. Quanto engano. Apesar de todos bebês serem muito pequenos (era a sala de prematuros extremos; lembro que me chamou a atenção que a fralda que usavam era do tamanho de um absorvente, e ainda ficava grande), nenhum era menor que minha pequena. E achar que ela ficaria ali apenas para ganhar peso era uma grande ilusão. Eles ainda precisavam ter o desenvolvimento que não puderam ter dentro da barriga. Se por fora eu ainda não via suas unhas, seus cílios e mamilos, imagina o que não faltava por dentro…

Com apenas 13 dias, Martin fez uma cirurgia para fechar um canal do coração que não deu tempo de fechar durante a gestação. Só então passou a receber uma maior quantidade de leite via sonda. Aliás, a questão do leite materno sempre foi muito difícil para mim. Com 29 semanas de gestação, meu corpo ainda não estava pronto para produzir leite. Fui apresentada ao banco de leite e comecei um árduo trabalho para ter leite mesmo sem o estímulo dos meus bebês, e garantir que eles o recebessem, já que o sonho de amamentar, como mãe e nutricionista, naquele momento eu não pude realizar. A experiência na ordenha foi muito difícil. Sentia muita dor e tristeza por ter aquela máquina fria sugando meus seios, no lugar das boquinhas dos meus bebês, mas não podia parar de tirar para não secar. E mesmo me esforçando para tirar em todos os horários, não tive tanto leite, o que era ainda pior por se tratar de dois bebês. Em alguns momentos, tive que priorizar para quem iria o leite, mas fiz tudo que pude, enquanto pude, para garantir que eles recebessem pelo menos um pouco de leite materno.

Após um período mais instável, Martin seguiu em seu ritmo, sem muitas intercorrências. Segurá-lo, fazer “pele a pele”, ouvir seu choro após ser extubado e amamentá-lo pela primeira vez foram momentos únicos. Ele evoluiu relativamente bem. Foi um período de muitas conquistas, que também nos davam força para lidar com os desafios imensos que Nina enfrentava na mesma época. Após uma cirurgia de hérnia e uma suspeita aterrorizante de trombose que durou quase um mês, mas que felizmente não se confirmou, ele teve alta, com 3,225kg, depois de 110 dias de internação. Sua saída foi celebrada com o tradicional “corredor”, em que toda a equipe da UTI, assim como os demais pais saúdam e aplaudem o bebê, e nos dão o merecido adeus.

Foi um dia inesquecível e de imensa alegria, porém ao mesmo tempo tínhamos o coração partido. A tristeza de deixar Nina no hospital era grande demais. Naquele momento, comemorávamos uma incrível vitória, mas sabíamos que havia ainda muita luta pela frente. Aliás, o período que tive que me dividir entre ver Martin descobrir o mundo e se desenvolver em casa, e travar junto da minha filha todas as batalhas que ela ainda teria de enfrentar no hospital foi devastador – me sentia pela metade onde quer que estivesse.

Nina enfrentou muitas dificuldades durante toda internação. Sabíamos desde o início que seus desafios seriam ainda maiores do que os de Martin. Me lembro da alegria que senti em saber que ela passaria a receber 1ml de leite a cada 6 horas pela sonda – um micro-passo de cada vez, e já era muita coisa! Foi nesse momento, contudo, que houve a primeira complicação: Nina teve uma enterocolite, uma infecção séria no intestino por sua imaturidade, com um risco grande de rompimento – caso ocorresse, seria dificílimo Nina resistir, uma vez que ela não tinha ainda o peso necessário para suportar uma cirurgia. Foram incontáveis dias de jejum e angústia, até que seu intestino funcionou. Foi a primeira grande vitória da nossa pequena. Em outra ocasião, devido a uma hipertensão pulmonar grave, fui acolhida e cumprimentada por todas técnicas e enfermeiras que estavam na sala, como se me consolassem pelo que viria a acontecer.

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Nina com um mês de vida

Mas Nina surpreendeu e resistiu. E era o que eu mais pedia na portinha de sua incubadora. “Resiste, filhinha, resiste”. E assim ela o fez. Resistiu a todas suas complicações pulmonares, à diálise, a tantas reintubações difíceis, a paradas cardíacas com suspeitas de convulsão, a inúmeras infecções. E quando tudo parecia estar perto de acabar e ficar bem, Nina broncoaspirou quando aprendia a mamar, após mais de 4 meses na UTI, e regrediu tudo novamente. E ficou entre a vida e a morte novamente. Por um triz não precisou de uma traqueostomia. Foi um baque muito grande. Nessa altura eu estava muito, muito perto de entregar os pontos, mas isso não era uma opção! Tinha dois filhos precisando de mim e, felizmente, pude contar com a experiência de mães guerreiras que passavam por situações semelhantes ou piores que a minha, com profissionais incríveis que além de cuidar dela me amparavam com todo carinho, com alguns amigos que me reerguiam a todo instante, com minha família que foi minha base pra tudo, e principalmente com o Dani, pai e parceiro extremamente forte e incansável.

Cheguei a ouvir algumas vezes do médico que achava que Nina não aguentaria. Mas ela superou todas as dificuldades e a cada dia ia melhorando, se mostrando ativa, esperta. E essa sua vontade de viver me provava todo dia que nada foi por acaso, desde o sangramento que me levou ao hospital, e que eu tinha acertado em apostar que ela viveria. Não tivemos Nina em casa para o Natal e o Ano Novo. Mas a alta chegou pouco depois, após 259 dias de seu nascimento, com 127 dias entubada, tantos dias com antibióticos e sedativos, incontáveis transfusões de sangue e recebimento de plaquetas. Pesava 4,905kg (muito pouco para sua idade, mas quanto tempo um bebê leva pra aumentar em quase 10 vezes o seu peso? Foi um grande trabalho da minha princesa). Seu corredor foi um dos dias mais felizes da minha vida. Foi o dia em que meus pequenos nasceram de novo. O dia em que meus geminhos, minha família estava reunida, finalmente, depois de tanta luta, de tanto choro, de tantos sacrifícios. Acabava o período de UTI. Acabavam aqueles 8 meses e meio intermináveis que se somaram ao mês que passei internada lutando para dar aos meus filhos a oportunidade de vir ao mundo. Estávamos, enfim, juntos. Completos.

Da prematuridade extrema levamos como sequelas a cardiopatia e a miopia do Martin, assim como a displasia pulmonar importante da Nina. Também enfrentamos algumas dificuldades que bebês nascidos a termo não têm, bem como atrasos esperados nos marcos do desenvolvimento, em especial da Nina. De tudo que poderia ter acontecido, sou muito grata, pois acredito que saímos no lucro. E claro, eles são menores que os bebês da idade deles, mas como costumo dizer, são pequenos no tamanho, porque me provam todos os dias que são verdadeiros gigantes. E acredito que essa “grandeza” deles é a principal sequela que levamos.

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Família reunida em casa após 259 dias do nascimento dos bebês

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  • Parabéns à familia, mas principalmente, parabéns à pequena Nina que se mostrou gigante pela sua sobrevivência. Amei e me emocionei por ter conhecido a sua história.
    Linda história de força e superação!
    Mais uma vez,parabéns!!!!!!!

  • Parabéns Família! Sua luta provou que Deus existe e os bebês estão lindos!
    Adorei sua história de luta e persistência.

  • Ninoca grande guerreira a tia chorou tanto por você não mais que sua mãe! Dei até conselhos pra mamãe procurar umas útis pediátricas pra vc mas graças a Deus mamãe não ?Rsrs aí só Deus sabe como meu ❤️ Se alegrar de ver vocês bem Martim ( meu madacascar) ninoca minha magrela marenta, Arthur meu japa lio entre outros amo vocês demais só peço a Deus que venha abençoar vcs e os pais de vcs sempre família presente do senhor??????????

    • Ai, Deia, como não lembrar disso td… Se ela tivesse mais uma recaída eu ia msm pedir transferência pra UTI pediátrica, como vc sugeriu! Felizmente não precisou!!! Vc foi mto especial nesse processo todo! Levamos vc com um carinho imenso e sempre mandarei boas energias pra vc!! Um beijo enorme, cheio de saudades!!

  • Comovente, sublime, inspiradora história!! A força de Vocês foi e é indescritível! Desejo que tenham sempre muita Saúde e que nos deem muitas alegrias!!!

  • Que linda história, que inspiração! Parabéns aos papais e aos dois pequenos grandes guerreiros. Fiquei emocionada.
    Vanessa, que garra! O principal fator para o parto prematuro foi a gemelaridade ou haviam outros fatores de risco? Pelo seu relato, sua gravidez estava correndo tranquilamente…

    • Muito obrigada, Marina! Hoje, um ano e meio depois, tudo está mais leve, mas ainda me arrepio ao lembrar de tudo que passamos.
      A gemelaridade era um fator que aumentava os riscos da minha gestação, mas não foi a causa do parto. Os bebês, em especial a Nina, passaram a não ganhar peso como esperado, mesmo para gêmeos. Passei a fazer repouso pois a pressão da minha artéria uterina estava alterada, e depois percebemos que o fluxo de nutrientes no cordão umbilical da Nina não estava bom (diástole zero). Quando tive o sangramento, foi constatada a diástole reversa, ou seja, o fluxo da placenta para a Nina era contrário ao esperado (por isso ela praticamente não ganhava mais peso). Durante o mês que fiquei internada ela conseguiu se manter entre diástole zero e reversa, o que é bem difícil de acontecer. Mas quando o líquido diminuiu muito, optamos por fazer o parto para salvá-la. Do contrário, ela não aguentaria e eu seguiria apenas com o Martin.
      Como na maioria das complicações, a gemelaridade aumenta o risco desse problema que tive, mas ele pode ocorrer também em gestações únicas.
      Um abraço! =)

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