A Mulher, a Maternidade e a Criança

Esse mundo está muito chato…

Ou está cansado de ouvir passivamente comentários que incitam violência, abuso, preconceito, homofobia e machismo?

De uma forma cada vez maior, as pessoas têm se posicionado contra diversas situações: a reportagem do “Bela, recatada e ‘do lar'”, a família que vai à manifestar com a babá a tiracolo ou que sai com o filho adotivo fantasiado de macaco, a matéria da revista masculina que anuncia que a moça da capa “tem dono”… Na sequência, outro grupo de pessoas reclama intitulando a revolta como um “mimimi”. Não se pode falar mais nada que alguém reclama e se revolta? Que chato!


É… Provavelmente, não se pode falar mesmo sem saber que está sujeito a críticas. Com esse meu texto, muitos me xingarão mentalmente e outros se posicionarão explicitamente contra. E não tem problema nenhum nisso, desde que o debate seja feito de forma respeitosa.

Passamos as nossas vidas inteiras vendo com normalidade piadas que denigrem homossexuais ou publicidade que inferiorizam as mulheres e rotulam de forma pejorativa negros, nordestinos e índios. Pode não ser nada fácil perceber o incômodo que isso pode gerar em outros ou, mais ainda, se sentir agredido com isso. Isso é tão frequente e naturalizado que o incômodo passa a surgir quando se começa, de forma surpreendente, a ser censurado por algo “tão bobo e banal”.

Rapidamente na internet, busquei anúncios bem antigos que jamais seriam veiculados hoje.


Esses anúncios te incomodam?

E esses?


A diferença entre eles está no formato em que o conteúdo é apresentado. Todos esses últimos possuem um padrão socialmente aceitos hoje. E, provavelmente, os primeiros não geraram desconfortos na época também.

Mas quem disse que propaganda e outros conteúdos da mídia são capazes de estimular o preconceito e a violência? Muitas pessoas consideram-se capazes de filtrar o conteúdo “bom” do “ruim”. Mas será que essa é a regra geral (sem considerar o quanto deixamos de perceber essa influência sutil)? A mídia não vende unicamente um produto, mas vende um padrão de consumo, um estilo de vida desejável (para, então, seu produto ser mais desejado e consumido). Pense o quanto que Coca-cola é realmente a mais gostosa das bebidas e se seria tão consumida sem propaganda? Ou se margarina é um alimento super saboroso? Não mais do que um lanche do Mc Donald’s comparado com outros hambúrgueres? E Sazon deixa a comida com um sabor todo especial e caseiro?

Imagino que a maioria das pessoas consuma pelo menos alguns desses produtos. Eu cresci com vários deles e ainda “brigo” de vez em quando para não consumi-los. É assim que funciona o marketing, que não está presente somente em propagandas, mas em muitos conteúdos que possuem fins comerciais. Afinal, revistas, jornais e programas de televisão também precisam lucrar para se sustentar e, por isso, estabelecem um público-alvo e um formato condizente a esse público (ou seria o contrário?).

E o que tudo isso tem a ver com machismo e preconceito? Tem a ver que, atrás de uma cerveja, tem uma mulher seminua. Ou o produto de limpeza beneficia-se por facilitar a vida da mulher. Ou o vendedor do carro (ou outro produto com “cara masculina”) é uma jovem com roupa colada. Ou dificilmente há protagonistas negros nas novelas (mas eles são os violões dos filmes). E as personagens homossexuais são em geral um estereótipo de pessoa escandalosa e cômica. Então, se a sociedade que consumirá é predominantemente branca, o marketing será voltado aos brancos. Se a sociedade é machista, a publicidade assim será. Tudo isso agrada ao público-alvo e reforça um padrão que se está tentando romper.

Você pode não sentir todo esse preconceito na sua pele, por ter um emprego que te dê independência financeira, usar as roupas que quer e viajar desacompanhada, se quiser. Mas tente manter esse emprego legal tendo filhos e querendo coordenar o cuidado  deles com o trabalho. Veja se você não terá que frear seu crescimento profissional ou colocar seu bebê por 10 horas numa creche. Ou tente usar uma roupa legal e pegar um trem no final do dia sem ser assediada. Ou vá a uma casa noturna sozinha e volte sem ser incomodada. Isso tudo aconteceria se você fosse um homem? E qual seria o tamanho do seu desafio se não fosse branca ou se fosse do Nordeste ou uma pessoa não heterossexual ou não tivesse outras “proteções” (como estudo ou suporte familiar)?

E se você tem tantos confortos e apoios (mesmo que muito merecidos) e não sente a homofobia, racismo ou qualquer outro preconceito, você está em uma situação privilegiada. Na média, homens recebem 30% a mais do que mulheres. Outros dados: 60% das mulheres jovens já sofreram violência em relacionamentos e 56% dos homens admitiram terem cometido alguma forma de agressão pelo menos uma vez. Mais um: entre 2002 e 2012, o número de homicídios de jovens brancos caiu 32,3% e o dos jovens negros aumentou 32,4%.

Assim, é importante lembrar que, mesmo que você não seja atingida, outras pessoas devem estar sendo e elas estão mais habilitadas para falar sobre os preconceitos e violências vividos. Pode ser chato ser podado em muito do que falamos, mas é muito pior ser diminuído constantemente. Nesses casos, empatia e respeito já ajudarão esse ciclo a se romper.

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